O garimpo desmatou milhares de hectares em ‘Madre de Dios’, no sul do Peru, e contaminou seus rios e peixes com mercúrio, mas a extração de ouro pode ser mais amigável com o meio ambiente e, inclusive, impulsionar um mercado de “ouro limpo”.
César Ascorra, biólogo peruano que pesquisa a região de ‘Madre de Dios’ há 25 anos e é diretor do Centro de Inovação Científica Amazônica, sustenta que uma mineração sem mercúrio é possível e que os mercados devem criar uma demanda por um “ouro limpo”, que evite a destruição do meio ambiente.
O mercúrio é tradicionalmente usado para separar e extrair o ouro de rochas ou da areia porque adere ao ouro formando um amálgama, que posteriormente é aquecido. Com o calor, o mercúrio evapora e resta o ouro.
– Qual é o impacto do mercúrio?
Resposta: o mercúrio é um metal pesado que afeta os seres vivos nos órgãos com maior metabolismo: o sistema nervoso, o coração, o fígado, o pulmão e os rins (…)
O metilmercúrio, um subproduto do mercúrio que entra na cadeia alimentar, é parte do tecido dos peixes e também passa a fazer parte dos nossos tecidos, passa para a placenta, passa pelas barreiras encefálicas, chega ao cérebro, ao sistema nervoso, pode danificar os cromossomos, passa às gerações seguintes e produz o que conhecemos como doença de Minamata, cidade japonesa onde, nos anos 1950, morreram dezenas de pessoas e outras centenas sofreram graves danos neurológicos por intoxicação com metilmercúrio.
O mercúrio se mascara em quase 160 sintomas, então você pode ter dor de cabeça (…) perder o sono ou ficar irritadiço, sofrer alergias, pré-disposição a cânceres, doenças no pâncreas, anemias. Os efeitos neurológicos podem ser baixo rendimento escolar, baixa capacidade de fixação, de compreensão de texto ou de matemática.
– Uma mineração sem mercúrio é possível?
Resposta: é possível fazer mineração aluvial sem usar mercúrio. Porque diferentemente da mineração em veio nos Andes, onde o ouro está unido a outros minerais e, então, é preciso liberá-lo, o ouro aluvial está solto, é ouro em pó, ouro em partículas. Então, a gravidade pode separar o ouro dos sedimentos sem a necessidade do mercúrio.
Com este método, um mineiro utiliza uma mesa vibratória [máquina também chamada “de ouro ecológico”], ou seja, usa a gravidade para separar o ouro e consegue ouro em pó sem usar mercúrio. Como não se compra ouro em pó, é preciso fundir o ouro a altas temperaturas e vendê-lo fundido. Não é alta tecnologia, é aprender técnicas novas que são acessíveis para eles.
Caso se sensibilizasse sobre a seriedade do problema do homem comum ao tomador de decisões, os mineiros não usariam mercúrio ou o usariam apenas na fase final, fariam uma concentração por gravidade e o aplicariam em quantidades muito pequenas e em um ambiente fechado, e recuperariam 100% desse mercúrio.
– O que é o mercado de “ouro limpo”?
Resposta: Por que há um mercado que não é sensível com o meio ambiente? O mercado quer ouro sem importar como ele vem, [quando deveria haver] uma condição de dizer: ‘eu quero um ouro limpo, que não tenha tido mercúrio em seu processo’. Se o mercado fosse seletivo, orientaríamos a oferta também.
O mercado deveria mudar não só aqui na Amazônia, onde destruímos as florestas para fazer mineração e se utiliza mercúrio, mas também no mercado que gera essa demanda, que está no primeiro mundo.
Outra mineração é possível? Sim, com responsabilidade social e ambiental, e isso tem que se apoiar nos governos, nas pessoas, na tomada de decisões e também no mercado, que deve ser seletivo, deve condicionar a demanda.
Fonte: AFP