Por Victor Barboza e Patricia Sant’Anna
Estamos num cenário caótico, que se alguém voltasse no tempo para nos contar “há um tempo atrás”, ninguém acreditaria. Porém, o Covid-19, além dos problemas relacionados à saúde, também desencadeou uma série de outros fatores que se tornaram novas experiências para muitas pessoas e empresas.
O reflexo da suspensão de boa parte da atividade comercial acabou gerando, como grande consequência, impactos econômicos sem precedentes na história recente. E com isto, revelou-se como muitas empresas fazem uma gestão financeira bem problemática, visto que não tem capital de giro para se quer 15-30 dias. Portanto, uma série de empresas, que já estavam atuando bem abaixo do esperado, em menos de um mês de isolamento, já encerraram suas atividades.
Apesar deste cenário tão delicado, são nestes momentos de crise que muita gente acaba aprendendo. Vamos conferir algumas lições que estão sendo ensinadas às empresas de todos os portes.
1. O planejamento nunca pode ser deixado de lado
A falta de planejamento é o primeiro erro do empresário, independentemente do tamanho da empresa. É um tiro no escuro que a empresa está dando, indo por tentativas e erros, e sem foco. O planejamento é o responsável por criar os objetivos (metas), as estratégias (plano tático) e o cronograma (ações desencadeadas no tempo) que nortearão para onde o negócio deseja alcançar. A partir do Planejamento Estratégico, deriva-se o Planejamento Financeiro, que dará o direcionamento de como pensar e organizar o universo das finanças da empresa. Como o futuro é incerto, ao fazer seu planejamento, a empresa deve trabalhar com cenários: específicos para a realidade do negócio; pessimista realista e otimista. A empresa que já possui um plano de ação para momentos de crise consegue atravessá-la de forma muito menos dolorosa. Já empresas que não estavam preparadas para momentos mais delicados, precisarão tomar decisões mais rápidas e assertivas, o que não é nada simples. Outro elemento importante é que o planejamento é plástico, isto significa que ele pode ser moldado e modificado ao longo do tempo de acordo com as mudanças de contexto da empresa. Sobretudo, numa situação como essa da pandemia. As alterações são necessárias para adequar metas, esforços, investimentos, criando condições para enfrentar a crise da melhor maneira possível.
2. Ter controle sobre as finanças é essencial para qualquer negócio
Muitas empresas, principalmente as de menor porte, acabam deixando de lado um bom controle sobre as finanças. Números da cabeça, planilhas incompletas e dados perdidos são muito comuns, o que fazem com que o empresário não tenha noção correta sobre a saúde financeira do negócio. E, não ter este controle, principalmente num cenário de crise, acaba dificultando as tomadas de decisões. Por isso, ter um fluxo de caixa completo e atualizado é imprescindível. Só assim você saberá onde economizar, onde colocar força para vender e mesmo investir.
3. A reserva de emergência é vital
Já vimos que muitas empresas encerraram suas atividades, com menos de um mês de crise. Praticamente em todos estes casos, o motivo foi a falta de caixa para conseguir honrar com os compromissos. Existem alguns casos de empresas que até teriam valores a receber futuramente, ou que possuem ativos com baixa liquidez (por exemplo imóveis), mas que não possuem dinheiro em caixa, o que os impossibilita de pagar seus compromissos, levando-as ao cenário de endividamento, e, posterior, falência. Para evitar isto, é importante que a empresa tenha dinheiro guardado de forma que seja acessível e com baixo risco de desvalorização. Este dinheiro guardado é representado pela Reserva de Emergência, que, como o próprio nome diz, é um recurso que está disponível para quando as coisas saírem do esperado. E a pandemia é um inesperado gigante que estamos vivendo. É importante que esta reserva financeira seja formada para garantir que a empresa funcione por um determinado período, mesmo que o faturamento fique zerado, já que não sabemos por quanto tempo o cenário de emergência durará. Uma sugestão é que esta reserva seja formada por recursos que garantam o pagamento de, pelo menos, seis meses da empresa. O ideal mesmo é 12 meses, sobretudo, se o seu negócio depende de um único produto/serviço. Neste processo de criação da reserva de emergência, independentemente do valor que será guardado mensalmente, o importante é consolidar este hábito de separar periodicamente um dinheiro. E lembre-se: além de isto poder levar tempo, este dinheiro não é para outro uso, senão em emergências e crises não anunciadas.
4. ‘Nunca deixe todos os ovos na mesma cesta’: investimento diversificado
Esta expressão é muito usada para nos referirmos aos investimentos da empresa. Quando concentramos ‘todos os ovos numa mesma cesta’, corremos o risco de quebrar todos ao mesmo tempo. Agora troque “ovos” por “dinheiro” e “cestas” por “investimentos”. Se concentramos todo o nosso dinheiro num mesmo investimento e acontece alguma coisa com este, corremos o risco de perder tudo. No entanto, se nosso dinheiro está em investimentos diversificados, este risco é diluído. Isto significa que, para quem já tem a reserva de emergência, é importante também ter o hábito de investir de maneira diversificada, considerando o prazo e o risco, e exclusivamente para a empresa. Não sabe como fazer isso? Há dois caminhos que sempre indicamos: fazer um curso de educação financeira pessoal e empresarial; e ter alguém dedicado a pensar estrategicamente as finanças da empresa, se não há como ter alguém dedicado a isso, contrate um consultor financeiro de confiança e atualizado (que compreenda os meandros tradicionais e digitais de investimentos). Esse profissional pode ajudá-lo a pensar sobre como começar a investir e de que maneira diversificar (renda fixa, moeda estrangeira, ouro, imóveis, renda variável, ações etc.). Dica para encontrar um bom consultor de finanças? Ele vai primeiro identificar o perfil mais adequado da empresa como investidora, vai estudar a saúde financeira de sua empresa, depois é que vai propor planos e soluções para área financeira de seu negócio. Importante também: ele sempre tirará suas dúvidas. Perguntas e dúvidas nunca são bobas. E ele deve responder com atenção e detalhadamente, até você realmente entender, afinal ele aponta caminhos, mas quem decide é você. As decisões precisam ser conscientes e alinhadas com o posicionamento e valores da sua empresa. E de novo, isso vale para empresas de todos os tamanhos, incluindo MEIs.
5. Empresas não caminham sozinhas: todo mundo faz parte de um Ecossistema, ou melhor, vivemos em sociedade
Muitos empresários possuem a sensação de que seus negócios são independentes de qualquer coisa e caminham sozinhos. Porém, neste cenário de crise, vemos que tudo funciona como um ecossistema, formado por vários stakeholders: governo, clientes, concorrentes, parceiros, fornecedores, colaboradores e clientes. Para exemplificar como é importante existir o equilíbrio neste ecossistema, vamos considerar uma pequena fábrica de gadgets eletrônicos que não está recebendo os componentes que compra da China devido à política de confinamento deste país com a pandemia. Ter consciência de nossa localização na cadeia produtiva, nosso grau de dependência com relação aos stakeholders, e pensar em soluções que mitigam a crise para quem está em nosso ecossistema é responsabilidade de todos os empresários envolvidos. Desta forma, em momentos de dificuldade para todos, tomar decisões que tragam um equilíbrio para todas as partes é muito importante. Algumas empresas têm criado movimentos para fortalecer os seus stakeholders. No segmento de beleza, por exemplo, a Quem Disse Berenice criou uma iniciativa para auxiliar maquiadores autônomos e a L’oréal criou um movimento para beneficiar os salões de beleza. Não se esqueça que toda empresa, de MEI a S.A., é uma organização social, e existe para solucionar e ajudar aos clientes, o lucro é decorrente disso, não inverta os valores em sua empresa.
6. O posicionamento e as iniciativas da empresa e (também) de seus sócios pode trazer consequências positivas ou negativas: cuide da imagem da sua marca/empresa.
Neste cenário de dificuldade, muitas empresas e seus respectivos sócios têm criado posicionamentos e iniciativas, que, em alguns casos, podem agregar valor à marca, mas também, podem queimá-la. Como exemplos de posicionamentos e ações que geraram um fortalecimento das marcas, podemos citar o Nubank, com ações voltadas para ajudar clientes com maior dificuldade financeira e ações para auxiliar seus funcionários no Home Office, como, por exemplo, enviar cadeiras ergonômicas para a casa de uma boa parte de seus colaboradores, de maneira a trabalharem em condições similares a que eles oferecem na sede. A Magazine Luiza doou dinheiro, colchões e montou um e-market place que vende produtos sem cobrar, ajudando as micro e pequenas empresas que não tinham presença comercial digital. Estas ações da Magalu ajudam desde os seus parceiros (fabricantes de móveis, eletroeletrônicos, cama, mesa e banho, pequenos comerciantes etc.) até a sociedade (pessoas em situação de rua, SUS etc.). Por outro lado, há empresas que estão, literalmente, ‘queimando’ a marca. Proclamações que falam de maneira desdenhosa sobre ações de políticas públicas que visam salvaguardar a saúde e vida da população, descumprimento da quarentena, demonstração de não preocupação com seus colaboradores e com o ecossistema como um todo, priorizando um possível lucro, acabam por criar uma situação onde a marca, a pessoa, e o negócio conquistam o ódio e aversão do cliente. Fazendo-o nunca mais comprar em sua empresa, e mesmo, difamá-la nos meios digitais. O boca-a-boca digital é muito poderoso, e num momento de crise, você pode acabar por criar situações ainda mais problemáticas. Mas sabemos que é complexo, tudo depende de seu contexto específico, por exemplo, uma artesã MEI faz máscaras de tecido de uso não hospitalar e vende por R$ 10,00 cada. Uma confecção faz máscaras do mesmo tipo e distribui para pessoas carentes, e declara que não vai cobrar numa situação como essa. Nenhuma das duas está errada. A perspectiva de necessidades dos negócios é bem diferente, mas a ética é a mesma. Ambas estão ajudando da maneira que podem e sobrevivendo em meio à esta situação sem precedentes, fazendo ações honestas e que são alinhadas com os valores de suas respectivas empresas.
Dica para não fazer ações e falas que vão destruir a reputação de sua empresa: antes de sair dando declarações, ou fazendo ações, pergunte a opinião de seus pares dentro da empresa e para alguns clientes. Não tome a decisão sozinho. A imagem da marca/empresa não pode ser apenas algo ligada à vaidade do dono, ou aos seus pensamentos pessoais. Ela é uma organização social que representa todo mundo que tem relação com a empresa, dos colaboradores aos clientes. Por isso, uma declaração/ação infeliz pode ser vista como um ato de traição de uma empresa para com os seus colaboradores, parceiros e clientes. Reputação é demorada e custosa para ser construída, todo cuidado é pouco para a manter e fortificar.
7. Especialistas existem para auxiliar
Muitas medidas provisórias (MPs) estão sendo criadas pelo governo para auxiliarem os negócios neste momento de dificuldade econômica. As instituições financeiras também têm criado linhas de crédito especiais. Porém, muitos empresários ainda optam por tomar decisões no “achismo” ou consultam apenas uma fonte (que pode distorcer os dados), sem sequer consultar algum especialista. Isto tem levado muita gente a se cadastrar no lugar errado, sofrer golpes ou tomar uma decisão no momento errado, geralmente, de maneira precipitada. Buscar boas fontes para tomar decisões e criar estratégias podem evitar estes erros. Sobre fontes busque mais de uma. Dê preferência para fontes oficiais, instituições de pesquisa (como universidades reconhecidas pela qualidade de pesquisa), empresas de pesquisa consolidadas e consultorias renomadas. Com tanta fake news sendo publicada diariamente, é melhor obter fontes sérias e de especialistas.
8. Ninguém tem bola de cristal: previsão sim, adivinhação não
A Tendere é uma empresa de pesquisa de tendências, como vocês sabem. E nós sempre falamos isso: aqui não tem bola de cristal, tem pesquisa. Isso significa que nós estudamos, vamos a campo, lemos e nos informamos com a maior quantidade de dados possível, e interpretamos esses para a realidade de mercado do Hemisfério Sul, especialmente Brasil. Muitas vezes, fazemos relatórios e planos de ação emergenciais. O Brasil passou por um momento muito delicado nos últimos tempos por conta de uma recessão. Em nossas tendências, apresentadas no ano passado, falamos o quanto ia ser difícil o processo de saída desta, o quanto nosso crescimento seria lento, mesmo uma série de outras empresas indicando futuros otimistas sobre a retomada de crescimento no país. Nós abertamente alertamos aos nossos clientes que não encontramos indícios em nossas pesquisas de que as coisas iriam magicamente melhorar. Indicamos a eles seguirem e se preparem para o cenário realista, levando em consideração que o cenário pessimista era totalmente plausível. Recentemente saímos desta recessão, e a retomada, como havíamos previsto, ainda estava bem lenta, com muita gente desempregada e o crescimento do PIB abaixo do esperado pelas outras previsões. Porém, muita gente dizia que o país só iria crescer nos próximos tempos. Frases como “invista nisso que o retorno é garantido” e “Já tivemos a crise, agora só vamos crescer” estavam aparecendo com certa recorrência. Você ouve frases prontas e de efeito no seu contexto de negócios? Desconfie, geralmente, elas são enganosas. Isto reforça que ninguém tem uma bola de cristal para garantir o que acontecerá amanhã. Para projetar (e não garantir) este futuro, é preciso muito estudo e análise, e, em paralelo, sempre ter um planejamento. Isto também reforça algo que sempre informamos para os nossos clientes do começo ao fim de um atendimento: fórmulas prontas não existem e que, como mostra a história, crises acontecem de tempos em tempos, sem uma data exata para começar e nem local marcado para surgir.