Elisa Stecca reúne em livro e exposição a extensa produção que a levou à arte contemporânea, que ela define como joalheria expandida
Por Silvana Holzmeister*
Elisa Stecca trabalha com joalheria há quase três décadas. Mesmo na época que se dedicou à moda, lá estava ela moldando peças que já podiam ser definidas como autorais, influenciadas pela arquitetura e pela arte e, acima de tudo, conectadas com fluxos de energia. Em 2016, esse processo criativo se expandiu em direção à arte contemporânea.
No ano seguinte, veio a primeira grande exposição, Silencio, no Museu de Arte Sacra de São Paulo, com curadoria de Paula Alzugaray. “Foi um marco no meu processo criativo interno”, avalia. De lá para cá, Elisa mergulhou em uma produção intensa que resultou em 20 séries que, agora, estão reunidas no table book Improvável.
A artista plástica e designer conta que começou a trabalhar na publicação em janeiro deste ano. É uma espécie de ápice de um processo imersivo que aconteceu durante a pandemia, período em que suas obras, que têm uma conexão forte com cristais e cura, chamaram a atenção do público. É uma sintonia, conta, que já era percebida na sua joalheria. Com as obras, essa conexão foi ampliada para a casa. “É vestir paredes, de residências ou museus. Vejo como uma mudança de percepção”, explica ela, acrescentando que anda encantada com esse momento da carreira e os feedbacks. “Tem um público que percebe a arte nas mais diversas formas, inclusive que ela também tem a ver com o momento”, analisa.
No processo de criação de suas peças, que são verdadeiros amuletos, Elisa sente ter sido “escolhida” pelos materiais, como vidro, cristais, pedra e prata que abriram espaço para opções menos tradicionais, como borracha, plástico e acrílico. Na primeira série, Ágatas Líquidas (2016), de aquarelas, ela apostou em materiais como pó de café, terra, limalha de ferro e de cobre. “O resultado final é legal, mas o processo é encantador. E as aquarelas se tornaram um hábito que eu cultivo, que me ajuda muito a organizar o pensamento”, explica ela na introdução do livro. No ano seguinte, escolheu o mercúrio, “esse elemento que catalisa e canaliza tudo isso que pensei e vivi”, como destaque em Silencio. “É remédio e veneno; metal, mas líquido, sedutor e repulsivo, e está presente em todas as obras dessa série, seja em seu estado natural, seja como ideia, forma ou cor.” Durante essa exposição, ela desenvolveu a ação Silencio Compartilhado. No mesmo ano ainda desenvolveu Paisagem Construída, que reúne cristais de diferentes tamanhos, composições, cores e procedências.
Na sequência vieram Totens, que explora a transparência das lâminas de ágata; Tempo Suspenso, versão de tapeçaria, retomando o elemento metal nas aplicações de lamê, exibida no claustro da Basílica de la Puríssima Concepció, em Barcelona, Oxum, com cerâmicas pretas, e as esculturas Torini, inspiradas na Grécia. Em 2019, vieram três séries: Silêncio Tátil, que traduz para a cerâmica a sensação de tocar o mercúrio; Improváveis reúne elementos em equilíbrios precários e Cânions, que também usa o princípio de equilíbrio improvável, trazendo elementos em metal como junção.
Em 2020, nasceram Ancorados, com trabalhos que ficam apoiados em uma superfície com um peso, uma haste presa no teto de onde pendem partes mais leves; Salar, que traz o sal como uma metáfora das etnias e da cor de pele; Black Is Beautiful é uma série desenvolvida por ocasião dos protestos impulsionados pelo movimento Black Lives Matter, em 2020 e 2022, que mobilizou o mundo contra o racismo. Aqui, novamente, o frasco de vidro é usado como elemento de contenção para o nanquim; Para Christo, homenagem ao artista homônimo, reúne esculturas com tecidos metalizados, e This Is Not a Toy, que brinca com a frase escrita em embalagens e sacos plásticos de produtos variados em objetos que remetem a fantasias sexuais executados em materiais perigosos, como vidro e mercúrio. Nesse período superprodutivo, Elisa também criou a escultura O Peso dos Sonhos: um bloco de pedra calcária que “ancora” um recipiente de vidro com penas irisadas.
Nos últimos dois anos, abordou em Garimpo, a prática predatória, preocupação da artista ao escolher os materiais. Aqui aparecem novamente o mercúrio, o ouro, o brilho e, em oposição, o custo humano/cultural, sobretudo o massacre criminoso das populações indígenas. E Gênesis e Torto, que parte da cerâmica, do barro e das pedras para falar do Brasil, enquanto homenageia o romance de Itamar Vieira Jr., Torto Arado. Todas essas séries aparecem nas 160 páginas do livro. Paralelamente ao lançamento da publicação, que sai pela Matrix Editora, as obras puderam ser vistas de perto na exposição que aconteceu até 7 de setembro na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo.
Improvável, que dá nome a todo esse projeto, também faz alusão à trajetória de Elisa até a arte contemporânea. Elisa cursou Direito na USP e se formou em Artes Plásticas na FAAP, estudou joalheria com Nelson Alvim, estilo com Marie Rucki, do Studio Berçot, em Paris, e técnicas variadas em vidro na Pilchuck Glass School, em Seattle. Participou de várias mostras, trabalhou como produtora e editora de moda e beleza, virou designer e já lançou dois outros livros, Hoje é o dia mais feliz da sua vida e Pergunte ao oráculo.
*Silvana Holzmeister para L´officiel