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Quem cuida do acervo de uma marca de luxo? Diretor da Cartier fala sobre patrimônio da maison

Quem cuida do acervo de uma marca de luxo? Diretor da Cartier fala sobre patrimônio da maison

Quem cuida do acervo de uma marca de luxo? Diretor da Cartier fala sobre patrimônio da maison

Cinema, literatura, presença em museus internacionais; a joalheria brilha tanto por suas criações contemporâneas quanto por seu patrimônio excepcional. Aqui, uma entrevista com Pierre Rainero, diretor de imagem, estilo e patrimônio da Cartier

Por Katell Pouliquen* 

A atriz Elle Fanning usa coleção Cartier que remete à vibração da Côte d’Azur dos anos 1950 — Foto: Reprodução/Instagram

Fábrica de sonhos, colmeia guiada por artesãos de talento monstruoso. Há quase 180 anos, Cartier enriquece suas preciosas coleções de joias e relógios. Abaixo, uma entrevista com Pierre Rainero, diretor de imagem, estilo e patrimônio da maison, um homem que conhece todos os seus segredos.

MARIE CLAIRE Você é responsável pelo patrimônio da Maison Cartier. Em que consiste esse trabalho?
Pierre Rainero: O patrimônio começa pelos arquivos, que datam do início da maison e são colossais: trata-se das informações que permitem rastrear a criação, produção e comercialização de nossas peças. Isso inclui livros de contas, desenhos, fotos, catálogos, campanhas publicitárias, esboços de arquitetura, entre outros. Desde Louis Cartier, que dirigiu a maison de 1898 a 1942, preservamos também como o mundo exterior nos retrata: nossa presença na literatura, no cinema, na mídia… Além dos arquivos, Cartier mantém o que chamamos de “a Coleção”, iniciada em 1983 com fins educativos e de compartilhamento, contendo cerca de 3.500 peças.

MC: Dentre essas peças, poderia citar uma que lhe toca especialmente?
PR: Eu mencionaria um broche que Jacques Cartier, da terceira geração da família, encomendou para sua esposa Nelly, em 1933. É uma peça estilisticamente interessante, de formato geométrico: uma ametista cercada por quatro cantos de diamantes contornados por safiras calibradas. Essa peça modernista reflete o que há de mais singular na joalheria: tornar eternos os preciosos momentos da vida. A ametista é a pedra de nascimento de Nelly Cartier [cada mês do ano é associado a uma pedra, nota da redação]. Eles tiveram quatro filhos, daí os quatro diamantes. E a modéstia de Jacques Cartier está no pequeno contorno de safiras, que é a sua pedra de nascimento.

MC: Qual é sua aparição cinematográfica favorita?
PR: Uma cena que adoro em O céu pode esperar, de Ernst Lubitsch, em 1943. É um dos meus filmes favoritos, porque a protagonista, Gene Tierney, tem uma beleza e uma elegância extraordinárias. Não aparece uma joia, mas… uma fatura! A heroína encontra, no bolso do casaco do marido, a fatura de uma pulseira de diamantes que ela nunca viu – se é que posso dizer assim. A fatura é mostrada em tela cheia, com os brasões das famílias reais de que éramos fornecedores na época. O marido se defende de qualquer traição. E o personagem de Gene Tierney responde: “Cartier never makes a mistake” (“Cartier nunca erra”, em português). Essa cena ilustra a essência da relação entre um joalheiro e seu cliente. Uma casa de joalheria não seria nada sem confiança – e o segredo faz parte disso.

MC: Como dar vida ao patrimônio e alcançar gerações mais jovens?
PR: O trabalho manual, e mais amplamente tudo o que requer tempo, experiência, talento e sensibilidade, é extremamente valorizado em nossa época. Além disso, alcançamos o grande público por meio de exposições monográficas nos maiores museus do mundo. A primeira foi realizada no Museu do Petit Palais, em 1989, e, desde então, já organizamos mais de quarenta exposições, do Metropolitan Museum of Art, em Nova York, ao British Museum, em Londres, e à Cidade Proibida, em Pequim. Os curadores de museus conhecem nossa coleção e o que ela representa artisticamente.

MC: Por que a joalheria é uma forma de arte?
PR: Essa dimensão é pouco valorizada, inclusive nas escolas de arte. No entanto, a joalheria é uma força de proposta importante na evolução das formas. Na época da art nouveau e da art déco, ela esteve no centro de uma pesquisa formal exigente. Na Cartier, questionamos a abstração antes mesmo do cubismo. A exposição Cartier e as artes do Islã, que passou pelo Museu das Artes Decorativas, em Paris, pelo Louvre Abu Dhabi e por Dallas, mostrou como as artes islâmicas representaram uma faceta da modernidade do século XX no Ocidente. Foi um grande sucesso. Cabe a nós continuar o diálogo com os museus, sem, é claro, substituir o trabalho científico deles.

MC: Você acha que a Maison Cartier faz parte da cultura pop?
RP: Sim, e isso é uma enorme satisfação. Nossa missão é propor objetos belos, mas não para ficarem guardados em prateleiras: queremos que nossos contemporâneos tenham vontade de usá-los! Não somos psicossociólogos, mas buscamos compreender os estilos de vida.

MC: Como manter uma relação íntima entre uma maison e seus clientes?
PR: Por meio da confiança na qualidade do savoir-faire e na inovação. E pelo fato de estarmos na intimidade, na celebração de filhos, aniversários, casamentos… Penso no filme Maria, de Pablo Larraín, sobre Maria Callas. Os objetos que acompanharam a diva fizeram parte de sua vida profissional e amorosa. Nossos arquivos poderiam revelar muitas coisas sobre Callas! Apenas ela e nós sabemos, no segredo. É o mesmo pacto de confiança com nossos clientes não famosos: em nossa maison, não há limite de tempo para a confidencialidade. Cada vendedor ou vendedora, que recrutamos principalmente por suas qualidades humanas, personifica a maison e guarda segredos… que chegam aos arquivos e permanecem confidenciais.

Por exemplo, eu cuido das encomendas especiais provenientes de todo o mundo. Pois bem, eu nunca sei o nome dos clientes!

MC: A maison acaba de lançar um anel Trinity em versão quadrada. No momento em que o surrealismo é celebrado em Paris, é preciso um toque de fantasia até na alta joalheria?
PR: Sim! É sempre necessário combater o espírito de seriedade. A noção de prazer na joalheria é essencial.

*Katell Pouliquen da Marie Claire França, com tradução de Nathália Geraldo, de Marie Claire Brasil

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