Às vésperas da estreia de seu novo diretor criativo, a marca se inspira nas estações do ano
Por Guilherme De Beauharnais*
Enquanto a antecipação pela estreia do diretor criativo Sabato de Sarno na Gucci, durante a semana de moda de Milão em setembro só cresce, a casa florentina, fundada em 1921, mantém um calendário fiel às novidades. Em julho, a marca se uniu à Christie’s para um leilão colaborativo completamente dedicado à arte digital e à inteligência artificial e, em uma contramão quase paradoxal à tecnologia, também revelou recentemente sua mais nova coleção de alta joalheria, Gucci Allegoria, cheia de ares vintage.
No que parece ser uma tendência no universo da haute joaillerie, o coletivo das joias aparece dividido entre as quatro estações do ano. Na mesma sintonia, a Chanel criou cinco grupos diferentes de peças, inspiradas em seus códigos centenários, ao passo que a Van Cleef & Arpels olhou para a histórica tradição da Grand Tour em seus próprios lançamentos que referenciam destinos luxuosos na Europa.
Na Gucci, que revelou sua primeira coleção de alta joalheria em 2019, ainda sob o comando de Alessandro Michele, outra tendência foi protagonista: a mistura de pedras preciosas com outras semipreciosas, que trouxe uma profusão de cores para a coleção. Entre as peças que fazem alegoria à efemeridade das transformações da natureza, os designs da Primavera surgiram com as nuances da flora – uma inspiração orgânica em referência ao lenço florido criado, em 1966, pelo designer Vittorio Accornero a pedido de Rodolfo Gucci como presente para a princesa Grace Kelly.
Nesse espírito primaveril, as turmalinas são protagonistas. Uma turmalina verde, com 226 quilates, surge rodeadas de diamantes enquanto outra, rosa e com 161 quilates, aparece em uma corrente com outras 72 (somando mais 88 quilates), além de diamantes e detalhes em esmalte, com um efeito degradê colorido. Na passagem quente para o verão, esmeraldas, espinélios, mais diamantes e ainda outra turmalina paraíba aumenta a temperatura que, nos designs outonais, vem suavizada. Nesses, safiras amarelas (como uma de 78 quilates que adorna um colar) e granadas mandarim se tornam estrelas, especialmente em braceletes de ouro.
No fim da translação, o inverno chega em tons silenciosos, com abundância de diamantes. Em um colar, as pedras se unem ao es- malte para dar moldura a uma opala de 92 quilates, flertando discretamente com a cartela colorida que, de volta ao início, revela a vinda da primavera. O que faz de Gucci Allegoria uma adição inusitada à temporada de alta joalheria de 2023, contudo, é a alma old school que envolve suas criações. Nas lapidações, técnicas clássicas do século 19 e passado fogem da tradição contemporânea de cortes complexos, revivendo facetas pensadas para refletir a luz das velas. O resultado é de glamour antigo, em um diálogo inconsciente com a paixão pelo vintage que Michele, durante sua era na Gucci, levou para a casa. Se a coleção vai combinar com o que chegará nas araras depois do début aguardado de De Sarno, a resposta exige paciência. Em Allegoria, porém, nada poderia ser mais Gucci – incluindo o leão, aqui e ali nas joias, que é o símbolo de Florença, berço da marca.
*Guilherme De Beauharnais para Harper´s Bazaar