Uma reflexão sobre as diferentes interpretações sobre o cenário atual
Por Ecio Morais
Alguém já disse que um problema bem equacionado está parcialmente resolvido. A matemática prova que esse axioma é verdadeiro. Não há como resolver uma equação sem antes identificar seus elementos, a incógnita e a fórmula. Ao refletirmos sobre um dilema social ou econômico, a questão do devido equacionamento também se aplica. Quando afirmarmos, por exemplo, que o setor joalheiro está em crise, surgem muitos questionamentos como, por exemplo, a natureza da crise, se ela é restrita ao Brasil ou é global, se atinge apenas ao setor ou é generalizada, se é de posicionamento do produto, uma crise estrutural ou um mal-estar passageiro, entre outros. Apesar de ambiciosa a pretensão desse artigo é ajudar nessa reflexão.
Alguns consideram que a crise é de representação política do setor. O nosso principal problema seria de representação? Nós, na verdade, não teríamos a liderança para nos conduzir à “terra prometida”? Aqui aflora o velho “sebastianismo Português”. Acredito que temos sim um problema de natureza política, mas ele não está, primordialmente, na ausência de lideranças, e sim na carência de uma participação responsável, sistemática e propositiva do nosso empresariado. Assim como o Brasil está, novamente, procurando um “salvador da pátria” para 2018, nós do setor joalheiro, ingenuamente, procuramos alguém para nos ajudar a atravessar o Mar Vermelho. Infelizmente, isso não irá acontecer. A solução para os problemas brasileiros está, principalmente, na atuação do Congresso, ou seja, na casa do povo, no plenário, no debate franco e democrático de ideias, na formação do consenso e na busca de caminhos comuns, e não na visão “privilegiada” de um “condottiere”. O que vale para o Brasil vale para o setor. A solução está no coletivo, está no embate de proposições e no encaminhamento de propostas conjuntas.
Outros acham que a crise é de fundo, o produto envelheceu. Nós costumamos a dizer que o homem, antes de se vestir, se adornou. A antropologia comprova isso. O homem se adornou para espantar os maus espíritos, para se embelezar, para enaltecer o sagrado, para registrar um ritual de passagem e para estabelecer compromissos eternos. O homem se adorna há mais de 10.000 anos. Não acredito o produto apesar de “velho”, tenha envelhecido. O que ficou ultrapassado foi nossa capacidade de comunicar o conteúdo simbólico da joia e a mística das pedras preciosas e do ouro. Mais do que nunca, as pessoas procuram um sentido para suas vidas e as joias oferecem essa dimensão de afeto e significado. As joias estão naquelas categorias de produtos que não perecem nunca. O que “envelheceu” foi a nossa capacidade de inovar, de dialogar com um consumidor mais “antenado” e com uma indústria do luxo mais competitiva e diferenciada.
Para muitos a crise é do ambiente de negócios, do governo, da corrupção, do contrabando, da pirataria e da concorrência desleal. É verdade, o ambiente de negócios não ajuda. Mas aí voltamos à primeira questão. Nossos políticos não caíram do céu. Eles estão “respaldados” pelo voto popular e não podemos nos iludir: a política nos trouxe até aqui e será a política e a democracia que poderá nos tirar desse atoleiro. O atalho da ditadura ou de soluções mágicas, com salvadores de plantão, nunca foi e nunca será o caminho do desenvolvimento social e econômico sustentável. Uma boa parte do nosso problema pode e deve ser resolvido em nosso próprio ambiente de negócios. O combate ao contrabando, ao descaminho e à informalidade, o respeito à conformidade do teor e à qualidade das gemas são questões que podem ser equacionadas no próprio universo do setor. É preciso haver mais desprendimento, franqueza, coragem e vontade de mudar.
O IBGM, enquanto instituição que congrega, estatutariamente, toda a cadeia de produção da indústria joalheira, da mineração ao varejo, abraça essa agenda de inovação e reposicionamento do setor perante a sociedade. Lembramos apenas que o IBGM é apenas uma marca. Sua essência e sua alma são os empresários que lá militam e que fazem do Instituto um fórum de debates e reflexão sobre os rumos do setor.
Não vamos nos iludir. Tal qual a Hidra de Lerna, a crise no setor tem múltiplas cabeças. Apenas para ilustrar algumas: baixa qualificação da mão de obra, perda de competitividade frente aos produtos substitutos, alta carga tributária, falta de profissionalismo na gestão das empresas, falta de segurança, falta de união na cadeia produtiva, etc. No entanto, nada poderá tirar de nós uma grande verdade, como já afirmamos anteriormente: a joia é e sempre será uma experiência do eterno, uma vivência simbólica intensa e a melhor forma de dizer “eu te amo”.