Eles estão no pódio das nacionalidades que mais gastam nas joalherias, ao lado de mexicanos e outros latinos, segundo lojistas
Por Victoria Damasceno*
A comunicação entre qatarianos e cariocas estava complicada em Gold Souq, um tradicional mercado de joias na região central de Doha, capital do Qatar. Maria Cristina Gomes de Abreu, 53, queria levar um brinco, mas a compra se transformou em alvoroço quando pintou a dúvida se a joia era mesmo de ouro.
De um lado, os vendedores devidamente vestidos com trajes árabes gritavam e faziam gestos tentando convencer a carioca, seus familiares e amigos da autenticidade da peça. Do outro, o grupo discutia se a joia era de verdade, enquanto entravam e saiam em polvorosa da apertada loja no canto da galeria.
“Isso aí deve ser de latão”, dizia a filha. E a mãe, Maria Cristina, duvidava. “Vocês têm certeza que é ouro?”
No meio da confusão, ao menos conseguiu um desconto de R$ 450. Um dos brasileiros, então, questionou os vendedores enquanto aguardava do lado de fora, aos gritos. “É ouro?”. E ele, atrás do balcão, confirmou —também gritando. “Sim, é ouro!”.
A confiança, então, cresceu e Abreu levou o brinco. “Com jeitinho brasileiro conseguimos um desconto e fizemos a compra”, disse a carioca, com a camisa do Flamengo.
E todos ali sabem que o segredo no lugar é pechinchar. Quem entra nos comércios do local perde um bom tempo negociando para garantir um bom desconto em cada peça. Se não fosse o visual árabe do local e de seus vendedores, a enxurrada de camisas verde e amarela e de português fariam com que nos sentíssemos no centro de São Paulo.
Os brasileiros estão no pódio das nacionalidades que mais gastam nas joalherias do local durante a Copa do Mundo de 2022, de acordo com lojistas. Perdem apenas para os mexicanos, que são unanimidade entre os vendedores. Todos dizem que latinos são os que mais compram pedras e metais preciosos. Argentinos e equatorianos também garantem seu lugar entre os principais clientes.
Os itens mais procurados pelos brasileiros são joias pequenas, mas com design árabe.
O local lembra uma galeria, porém com mais charme. A arquitetura tradicional de países persas, com seus azulejos artesanais por todo o chão, cúpulas e arcos, associada a vitrines simples e pouco rebuscadas. As bandeiras dos países participantes do Mundial também estão por toda parte.
Já as lojas variam em tamanho e iluminação. Algumas são maiores, com luzes que privilegiam cada joia. Outras, pequenas, lembram mais comércios de bijuterias.
O local é cercado por ruas com outras joalherias. Quem realmente esbanja luxo procura as lojas nas proximidades, que guardam peças capazes de comprar apartamentos em bairros nobres de São Paulo.
Em uma delas, um vestido transparente de ouro, com cerca de 2 quilos, custava mais de R$ 1 milhão de reais. A loja já havia vendido duas unidades. Os vendedores contam que a ostentação é uma preferência mais comum entre os clientes árabes.
Mais modestos e econômicos, um sucesso entre os estrangeiros mesmo antes do Mundial é o pingente personalizado com o nome em árabe. Foi a escolha do pernambucano Silvio Oliveira, 40, para a esposa, Eduarda, que o “liberou” para assistir aos jogos no Qatar. “É justo, né, a patroa tem crédito”, diz.
Com a nota fiscal em mãos, consultava ao lado do amigo o preço pago pelas joias. Além do pingente, Oliveira levou também um anel de ouro, os dois por cerca de R$ 1.400. Escolheu o preço mais em conta depois de consultar em três locais.
“Falaram que o preço estava bom. A julgar pela quantidade de lojas que eles têm aqui a concorrência é grande, então eu acho que de certa forma isso impactou no preço.”
O país possui regras rígidas para a compra e venda de ouro e pedras preciosas. Elas existem principalmente por causa do Ramadã, período de jejum islâmico, que o setor é aquecido em decorrência da troca de presentes ao final das festividades.
Diferentemente de outros produtos, no caso de joias, os vendedores são obrigados a fornecer notas fiscais que contenham os dados do comprador, além de informações sobre o produto, como número de série, tipo, peso, quilate, preço do grama, marca comercial, pureza do metal e o preço da mão de obra.
Além disso, as lojas também são obrigadas a dar garantias por escrito e esclarecer as políticas de substituição, devolução e o que é feito caso a mercadoria tenha defeitos. Entre as informações que não são obrigadas a repassar é a origem dos produtos.
Os vendedores questionados não souberam informar o local de extração da matéria-prima e disseram que as joias vêm prontas para comercialização, importadas principalmente da Itália.
*Victoria Damasceno para Folha de São Paulo