Rede icônica de joalherias abriu a sexta loja no Brasil. A ambição, grandiosa para o mundo do luxo, é atender tanto quem fica por aqui quanto quem viaja
São Paulo — Quem pensa na icônica joalheria Tiffany&Co. logo se lembra da atriz Audrey Hepburn, protagonista do filme Bonequinha de Luxo. A depender do posicionamento recente da marca, criada em 1837 e com 314 lojas pelo mundo, esse luxo pode tornar-se, paradoxalmente, cada vez mais democrático.
Um exemplo prático da contradição está na mais nova loja da Tiffany&Co., no térreo do Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. A sexta unidade da joalheria em solo brasileiro continua com seus diamantes de centenas de milhares de reais, mas EXAME também encontrou joias na faixa de mil reais ao andar pela nova loja — e foi informada de que o preço de entrada dos produtos disponíveis é de 250 reais. “Quando Charles Tiffany fundou o negócio, afirmou que há uma Tiffany&Co. para todo mundo e para toda ocasião. Queremos ir do acessível até o tamanho dos maiores sonhos dos nossos clientes”, dissertou Luciano Rodembusch, vice-presidente da Tiffany&Co. para Américas.
A meta é ambiciosa, já que, nos últimos tempos, a joalheria patinou nas vendas de produtos novos. Uma mudança recente de comando apontou um caminho mais inovador para a quase bicentenária empresa, indo da procura por novos clientes — mais jovens, menos endinheirados — até produtos e lojas reinventados.
Adaptação aos brasileiros
A inauguração de mais uma loja da Tiffany&Co. por aqui — já são seis endereços, nas cidades de Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo – parece estranha diante do cenário atual do país. A crise econômica e a instabilidade política se combinam aos resultados desapontadores do mercado de luxo, que recuou 8% no último ano e tem como projeção para 2018 crescer módicos 2% por aqui.
Mas Rodembusch ressalta que a marca já enfrentou situações muito piores. “Em 181 anos, passamos por diversas guerras e recessões econômicas. Eu sou brasileiro e, como todos nós, sei que sairemos dessa situação. Na Tiffany, não encaramos isso como um problema e temos bons parceiros que ajudam em nossa permanência, como a própria rede Iguatemi.”
A empresa de shopping centers sediou a primeira loja da Tiffany&Co. no Brasil, aberta em 1999 no Shopping Iguatemi, pai do jovial JK. Para o vice-presidente, estar há quase vinte anos no país é um trunfo que permite à joalheria ter um “comprometimento forte” com o país, o que rende um “aumento de vendas crescente ano após ano”, diferente de marcas que chegaram há menos de uma década e colheram apenas os joios da crise.
Ele também não acredita em redes de luxo que possuem lojas brasileiras como vitrine, apenas para conquistar clientes quando vão a Paris ou Nova York, a cada um ou dois anos. “Só por meio de vendas concretas é que se consegue conectar com os consumidores. Almejamos ser a opção de joalheria em todas as cidades que abrimos e projetamos que nosso cliente faça mais de uma compra por ano.”
A ideia é que o entrante comece a construir uma relação com a Tiffany&Co ao gastar até mil reais em um colar, um conjunto de canecas ou um perfume. Algum tempo depois, mais bem sucedido, ele voltará para comprar uma joia mais especial para si, para um amigo, para o cônjuge ou para o filho.
A Tiffany&Co teve de adequar não apenas sua faixa de preço, mas também a diversidade de produtos e o design de sua nova loja para cumprir a estratégia. Luciana Marsicano, diretora da Tiffany&Co. no Brasil, explica que há mais peças de ouro (clássico, branco e rosé) em exposição nas unidades da América Latina, enquanto os americanos e europeus apreciam mais as joias de platina e prata, por complementaridade ao tom de pele. Os latinos apreciam mais as joalherias pesadas e as rochas coloridas, como aquamarina, turmalina e tanzanita, enquanto asiáticos preferem peças mais discretas.
Em termos de design, a grande meta é chamar a atenção e, ao mesmo tempo, fazer os brasileiros se sentirem à vontade. A marca reforçou seu clássico “azul Tiffany” e retratos de Audrey Hepburn e de Nova York, para que os consumidores vejam de longe do que se trata o novo espaço. A loja possui mais vidros, é mais iluminada e investiu em móveis de madeira mais clara do que os da icônica loja na Quinta Avenida, em Nova York. Os brasileiros podem ver pessoas na loja e se sentem mais confortáveis para entrar e conferir os produtos. Há uma série de cadeiras e mesas espalhadas, porque nós “adoramos ser sentados”, diz Marsicano, enquanto os americanos discutem sobre joias de pé.
Os itens de uso mais comum (e mais econômicos) estão na linha de frente, enquanto a coleção de noivado e casamento, geralmente mais custosa, fica nos fundos da unidade. O que não significa que a marca queira abandonar sua importância em ocasiões especiais em detrimento de compras comuns de acessórios. “Estamos no negócio de celebrações e nos envolvemos em diversas ocasiões da vida dos nossos clientes. A estratégia de diversidade de preços se encaixa muito nisso, além do tratamento transfronteiriço aos consumidores”, afirma Jonathan Bruckner, vice-presidente da Tiffany&Co. para América Latina.
Apesar de Rodembusch criticar a fixação da concorrência no exterior, é bem verdade que essa também é uma estratégia fundamental da joalheria que conquistou Hepburn na ficção. A marca ressaltou que se preocupa mais em atender seus clientes do que um ou outro país e que “está aqui para apresentar credenciais aos brasileiros, que viajam pelo mundo todo”. “Se você estiver em uma viagem romântica, poderá encontrar uma Tiffany e comprar algo que represente aquele momento e que você guardará para o resto da vida. Nós temos esse pensamento global, de estar tanto aqui quanto em vários lugares”, diz Marsicano.
A Tiffany&Co não possui um plano agressivo de expansão. A nova loja do JK Iguatemi foi inaugurada por uma percepção de que a cidade de São Paulo estava mal servida com apenas duas lojas, diante de seu potencial de espalhar tendências de luxo para outros estados. Agora, a joalheria focará em investimentos nas lojas existentes — mudando a aparência a cada nova coleção, fazendo publicidades nos shoppings e investindo em relacionamento com clientes —, sem planos de mais unidades pelos próximos três anos por aqui. A expansão global também será “mais moderada do que nos últimos anos.”
Um dilema (e uma saída) para a Tiffany&Co.
Essa democratização do luxo da Tiffany&Co. recebeu um reforço em julho do ano passado, com a chegada do novo CEO, Alessandro Bogliolo. Bogliolo passou por marcas como Bulgari e Diesel e substituiu Frédéric Cuménal, cujo reinado foi marcado por vendas minguadas de lançamentos, de acordo com a Fortune. Os novos designs representaram apenas 10% das vendas da joalheria e só 6% das receitas vieram do mundo online em 2016, último ano completo de Cuménal na empresa, de acordo com o Wall Street Journal.
As dificuldades em desenhar produtos cool e emplacar canais somam-se ao maior desafio de Bogliolo, que é equilibrar itens de luxo com os relativamente mais acessíveis. Os itens de prata de lei da marca com preço de até 500 dólares (cerca de 2.000 reais) correspondem a um quarto das vendas da loja da Bonequinha de Luxo hoje. Algumas iniciativas recentes são a coleção Hardwear, com anúncios estampando a cantora pop Lady Gaga, e a criação de itens que vão além das joias, como bloquinhos de notas, canecas, chaveiros, carteiras, cofrinhos para colocar moedas e perfumes.
O mercado parece estar animado com a direção tomada pela Tiffany&Co. nos últimos tempos. Cada ação sua valia o equivalente a 300 reais no meio do ano passado, na época da troca de CEOs. Desde junho deste ano, cada ação está na casa dos 500 reais. A mistura da ousadia de colares pesados e Lady Gaga deverá se unir ao clássico de Audrey Hepburn e do azul Tiffany, em um paradoxo tão notável quanto o luxo democrático, se quiser agradar o público mais jovem do Shopping JK Iguatemi.
Fonte: Exame