A Statera coloca à venda relógio fabricado com técnica avançada de esmaltação, movimento automático e tamanho pequeno. E com preço em franco suíço
Por Ivan Padilla*
A Statera Watch Co é uma empresa rara no mundo da relojoaria mecânica. A marca não é suíça, nem alemã, nem mesmo japonesa. Foi fundada no Paraná por dois empresários como um negócio paralelo às suas carreiras. Dois anos depois de sua fundação, eles lançam seu segundo modelo. E o plano B já virou plano A.
O ST02, relógio que está sendo lançado agora, é um modelo minimalista, de inspiração vintage. Vem em dois tamanhos, de 37 e 39 milímetros. Cabe lembrar que em décadas anteriores as caixas eram pequenas, em torno de 35 milímetros. Hoje o gosto médio pede tamanhos de 40 milímetros para cima.
O novo modelo da relojoaria brasileira não tem apenas o visual retrô como apelo. O mecanismo automático é La Joux Perret G-100 com 68 horas de reserva de marcha. O mostrador é decorado com uma técnica de esmaltação própria das marcas centenárias suíças.
O novo modelo tem ainda uma peculiaridade: o preço fixado em francos suíços. O preço parte de 2,75 mil francos, equivalente hoje a pouco mais de R$ 18 mil. “Isso é para atender ao mercado internacional. Temos a ambição de vender fora e virar uma marca global de relojoaria, com raízes brasileiras”, diz Rafael Guimarães, um dos dois sócios da Statera.
Entrada de investidor
Como uma empresa brasileira está construindo um legado nessa indústria tão tradicional na Suíça e em outros países europeus? Boa parte se explica pela paixão dos sócios, amigos de infância de Maringá, no Paraná.
Tribulato é dono de uma empresa de tecnologia voltada para o setor imobiliário. O outro sócio, Antônio Almir dos Santos, é veterinário. Eles começaram a montar a Statera quase como um hobby, enquanto exerciam suas profissões.
Recentemente eles venderam 10% da empresa a um investidor e agora podem se dedicar integralmente à sua paixão: fabricar relógios de qualidade suíça, mas alma brasileira. A começar pelo logo, um pinhão, semente típica do Paraná.
Técnica centenária de esmaltação
Para lançar esse segundo modelo os dois empreendedores se associaram a Angelique Chappuis, uma habillage metade brasileira e metade suíça, responsável pela montagem de toda a parte externa do relógio, da caixa ao vidro, da coroa à pulseira. Angelique ja desenvolveu relógios para muitas marcas conhecidas, como Cartier e TAG Heuer.
O desafio era fabricar as caixas e, mais do que isso, desenvolver toda uma estrutura para que isso fosse possível. Para isso, foram à escola Wostep, em Nêuchatel, na Suíça, para aprender a fazer o acabamento das caixas a mão, com padrão de polimento e acabamento.
Depois disso eles investiram em uma técnica centenária conhecida como enamel grand feu. Em resumo, trata-se de produzir o esmalte que vai sobre o mostrador, em uma fusão de técnicas de pintura e queima. O processo cria uma camada dura e luminosa, exibindo um brilho característico quente e lustroso, e é utilizado por grandes manufaturas.
Patek Philippe, Vacheron Constantin, Jaeger-LeCoultre e Cartier, por exemplo, possuem oficinas especializadas em metiers d’art capazes de criar mostradores de esmalte internamente.
O esmalte é aplicado sobre uma base metálica e não envelhece nem mancha. As queimas do grand feu exigem altas temperaturas, em torno de 800 graus centígrados, para facilitar a sinterização ou vitrificação.
Para aprender essa técnica a dupla esteve também na Suíça com o esmaltador Gabriel Colliard em três ocasiões nos últimos seis meses. Até ser considerada pronta, uma peça pode ser submetida à queima e depois ao polimento até 100 vezes. Colliard é famoso por produzir pinturas em miniatura de alta qualidade para as principais marcas, como a Patek Philippe.
Entrega por encomenda
O resultado é um relógio com padrão internacional de acabamento. Nas três cores de esmalte principais, creme, preto e azul, os relógios partem desse patamar de 2,75 mil francos, tanto o de 37 como o de 39 milímetros. Dependendo do acabamento, como uma cor especial de esmalte ou a aplicação de algarismos romanos, esse valor pode subir consideravelmente.
O ST02 está sendo lançado hoje, quinta-feira, 29, oficialmente, por encomenda. Não será de edição limitada. “Mas vamos acabar criando escassez por nossa capacidade produtiva, já que cada relógio é feito de forma quase artesanal”, diz Tribulato.
A ideia é produzir cerca de 100 peças ao ano. Ao contrário de dois anos atrás, quando foi lançado o ST01 Calculus, o primeiro modelo da marca, Tribulato e Santos agora têm mais tranquilidade para se dedicar integralmente ao ofício de tocar uma micro brand.
130 relógios vendidos para 11 países
As micro brands são marcas independentes de grandes grupos, com trabalhos mais autorais, muitas vezes (mas nem sempre) com preço mais acessível. A proposta da Statera com o ST01 Calculus, o primeiro modelo, era produzir uma peça com inspiração nos anos 1940 e 1950.
Foram 130 relógios vendidos em 11 meses para nove países diferentes. O resultado empolgou a dupla. “O relógio impressionou imediatamente colecionadores de todo o mundo, primeiro porque era um relógio muito atraente, segundo porque estamos falando do Brasil, que até então parecia um lugar improvável para encontrar uma marca independente”, diz Guimarães.
Statera significa equilíbrio em latim. “Obviamente, o equilíbrio é um componente importante nos relógios, mas também na própria vida. Como muitos de nós, a covid criou uma imensa quantidade de incertezas, o que nos levou a questionar nossa vida e nosso futuro, se estávamos ou não fazendo algo que amávamos”, afirma.
“Para nós, a resposta foi não. E então o sonho começou e desenvolvemos um relógio. Essa cena provavelmente aconteceu em centenas de lugares ao redor do mundo. E isso provavelmente seria uma apenas discussão sobre uma nova micromarca, exceto pela determinação de ir além do design e realmente aprender o ofício da relojoaria.”
*Por Ivan Padilla, editor de Casual e Especiais da Exame