Em parceria com ONGs e projetos sociais, a LeCarle utiliza pérolas produzidas a partir de plástico retirado de oceanos e rios
Por Patrícia Sankari*
Pérolas sempre tornam joias ainda mais preciosas. No caso das utilizadas pela designer Carla Dutra, fundadora da marca curitibana LeCarle, o toque especial agregado por elas tem valor difícil de estimar, afinal, são feitas a partir de plástico retirado de rios e oceanos, contribuindo para reduzir a poluição provocada por ele e seus efeitos negativos para a vida marinha e o meio ambiente.
Também são produzidas artesanalmente por mulheres em situação de vulnerabilidade social da região de Antonina, no Litoral do Paraná, evidenciando dois dos valores fundamentais da marca criada em 2020: sustentabilidade e empoderamento feminino. “Quando comecei a marca, já pensei na questão ecológica, desde a embalagem até os processos dentro do ateliê, que, inclusive, é 100% feminino”, conta Carla.
A busca por práticas sustentáveis levou-a a estudar o mercado das pérolas. Foi nesse processo que ela percebeu a contradição de utilizar ostras, animais filtrantes que ajudam a manter a saúde dos ecossistemas marinhos, para criar joias. “Não fazia sentido cultivar ostras em praias paradisíacas, introduzindo núcleos para que elas produzissem pérolas como uma forma de defesa. Decidi que era hora de tirar do oceano o que já estava lá e não deveria: o plástico”.
Para transformar a ideia em realidade, Carla buscou unir forças com ONGs e projetos sociais dedicados à limpeza de praias. Assim, conheceu o projeto Ecobarreira, criado pelo ativista ambiental Diego Saldanha e desenvolvido em Curitiba e Região Metropolitana.
“Fiquei encantada com o trabalho dele, pela seriedade e profissionalismo com que conduzia suas ações ambientais. Ele também demonstrou grande interesse pelo meu projeto, e juntos, garantimos a rastreabilidade necessária para assegurar a origem e a autenticidade do plástico que utilizamos”, explica Carla.
As pérolas sustentáveis
A confecção das pérolas sustentáveis é simples. Começa com a coleta do plástico, que passa por trituração e é misturado a uma resina. Este material é colocado em moldes redondos e, depois de seco, é polido manualmente e finalizado com coloração feita à mão.
Ao idealizar a produção, Carla percebeu que o processo artesanal era fundamental. “Cheguei a buscar alternativas, mas vi que industrializar não se alinhava com o projeto nem com a essência da marca. As pérolas precisavam ser únicas, feitas de forma meticulosa”, conta.
Buscando empoderar e dar significado à produção artesanal, Carla encontrou em Antonina – cidade conhecida por ter uma praia imprópria para banho por conta da poluição desde 2013, segundo o levantamento de Balneabilidade do Instituto Água e Terra – uma oportunidade de causar um impacto positivo na região, a qual tem a renda dos pescadores e marisqueiras afetadas pela poluição.
“Decidi transformar a criação de pérolas sintéticas em uma nova fonte de renda para mulheres em situação de vulnerabilidade social em Antonina. Mais do que buscar mão de obra, o projeto busca valorizar as pessoas, proporcionando uma chance de melhorar suas vidas. Essas mulheres mereciam novas oportunidades”, explica.
Reunindo quatro artesãs, Carla ensinou todo o processo da confecção das pérolas sustentáveis. “Para mim, esse trabalho representa poder deixar meus filhos orgulhosos e dar do bom e do melhor para eles. Coisas que antes eu não conseguia. Poder trabalhar e correr atrás do meu próprio dinheiro melhorou até minha autoestima”, conta a artesã Silvania Ferreira.
“Está sendo incrível a experiência de trabalhar com a LeCarle. Isso significa conquistar minha independência financeira, conquistar as minhas coisas e conseguir fazer minha faculdade de História”, complementa a também artesã Verônica Luz.
Do Paraná, as pérolas vão para o ateliê em São Paulo. Lá, com mão de obra feminina, são trabalhadas com ouro 9k e prata e se tornam joias.
De Antonina para o Mundo
A inspiração para o projeto surgiu em 2021 e, em 2022, a linha foi lançada na Inhorgenta, uma das maiores feiras do setor de joalheria em Munique. “Nosso espaço era pequeno, apenas uma vitrine de 20 por 20 centímetros, mas a importância estava em estarmos presentes, exibindo algo extremamente inovador”, explica Carla.
“Como conseguimos alcançar o mercado internacional? Não vou mentir. Foi na base da insistência e de ir atrás pedindo ajuda mesmo. Eu consegui chegar nas pessoas certas que acreditaram no projeto e me apoiaram”.
Em novembro de 2023, a marca recebeu um convite importante da marca Flying Solo: participar da Paris Fashion Week. Para Carla, a presença no desfile – um evento bastante prestigiado –, ao lado de grandes nomes da moda, foi um marco importante para a trajetória e abriu outras portas.
Em setembro, a marca estará na New York Fashion Week, também a convite da Flying Solo, mas dessa vez com um desafio maior, assumindo tanto as joias da passarela, quanto peças de roupa. “Normalmente, eu entro com as joias em desfiles que outras marcas entram com as roupas. Mas, em Nova York, eu terei a passarela inteira. Estou na produção de roupas também, então, as roupas vão carregar as pérolas também”, conta.
“Isso não só valida nosso trabalho, mas também nos coloca no radar internacional como uma marca comprometida com a sustentabilidade e a inovação. Acho que a aceitação do nosso projeto no mercado da moda demonstra uma mudança cultural importante. As pessoas estão mais abertas a novas ideias, especialmente aquelas que promovem a sustentabilidade e o empoderamento”, finaliza.
*Patrícia Sankari para Casa Pino