Uma das responsáveis por trazer cor, humor e atualidade à joalheria contemporânea, designer assina nova coleção da Dior inspirada em estampas e bordados
Por Carolina Vasone*
Imagine crescer, literalmente, entre diamantes, rubis, safiras e esmeraldas em uma família aristocrata francesa, cujo tio de uma geração distante (o dândi Boni de Castellane) inspirou um personagem de Marcel Proust e a avó (Silvia Hennessy, condessa de Castilleja de Guzman) trocava de joias várias vezes por dia para combinar com as roupas. Essa é parte da história de vida de Victoire de Castellane, que aos 22 anos já era assistente de Karl Lagerfeld na linha de bijoux da Chanel, marca para a qual chegou a desfilar algumas vezes.
A designer passou 14 anos na maison de Coco, mas foi na Dior que catapultou sua carreira e ajudou a atualizar o status da joalheria a partir de 1998, quando assumiu a direção da – na época recém-criada – seção de joias da marca. Desde então, a designer autodidata, que aos 5 anos customizou um bracelete e, aos 12, fundiu medalhões de ouro para criar um anel, adicionou cores e pedras preciosas até então esquecidas pela joalheria tradicional, desconstruiu formas, acrescentou humor, cultura pop, assimetria – e, voilà, transformou o mundo das joias em um lugar muito mais instigante. “Claro que tenho as identidades da Dior que gosto de trabalhar a cada coleção, mas minha primeira inspiração geralmente vem do meu interior, de um sentimento e de como o relaciono com o mundo exterior”, conta a diretora criativa em entrevista por telefone, por ocasião do lançamento da Dior Print, a nova coleção de alta-joalheria da casa.
Desfilada em Taormina, na Sicília, em junho passado, no Grand Hotel Timeo, com vista para um teatro greco-romano milenar e para o vulcão Etna (que havia entrado em erupção alguns dias antes), a linha faz, em 137 modelos, homenagem às estampas clássicas da moda e da alta-costura, como o floral Liberty, as listras, o xadrez e o tie-dye. Como transpor uma referência tão fluida para o metal precioso? É esse tipo de aparente contradição que diverte e move Castellane. “Visualizo a joia já pronta na minha cabeça, o tema, a história, como ela vai ser. Depois, a transcrevemos em guache. A partir daí, trabalho com minha equipe para que o ateliê possa imaginar a construção”, conta sobre o processo de criação, que envolveu o desafio de refazer o movimento de tecidos em peças que parecem suaves e flexíveis ainda que estruturadas. O exemplo mais emblemático desse jogo de opostos que acrescenta complexidade ao conceito das peças é o colar de fitas de ouro com miniflores multicoloridas inspiradas na estampa de um vestido Dior de 1949, cujo desenho acompanha as ondulações criadas no metal.
Entre as pedras preciosas utilizadas em Dior Print, acrescenta-se ao quarteto clássico da joalheria (diamantes, rubis, safiras e esmeraldas) outras estrelas que Castellane ajudou a brilhar na constelação da alta-joalheria internacional ao longo de 24 anos de carreira na Dior. É o caso da rubelita, da turmalina em suas diferentes cores, da tsavorita e das muitas variações de opala, sua pedra favorita (Castellane tem uma coleção delas). Além da injeção de cores, outra característica presente em Print e que é marca registrada do estilo precioso subversivo da criadora são as peças intencionalmente assimétricas. Um recurso supercontemporâneo que faz provocação à ideia de atemporalidade das joias e as aproxima de uma clientela jovem, cada vez mais interessada nesse setor. Um estudo publicado pela consultoria McKinsey junto ao Business of Fashion em meados do ano passado, durante a pandemia, apontou uma previsão de crescimento anual de 3% a 4% do mercado de alta-joalheria até 2025.
Inspiração recorrente das criações de Castellane, a alta-costura é reinterpretada na joalheria a partir de recortes como o da estamparia em Dior Print, a renda na coleção Dior Dior (de 2018), o tingimento dos tecidos em Tie and Dior (de 2020) e os decorativos galões em Galons Dior, lançada em janeiro de 2022. Esse cruzamento de universos dentro da maison é reforçado pelas peças de roupa criadas especialmente para acompanhar a exibição das joias nos desfiles de alta-joalheria. Para a Dior Print, Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da Dior, elaborou 40 looks. “Nos encontramos uma vez por ano, três ou quatro meses antes do lançamento, mostro a coleção e ela cria as roupas para dar suporte às joias. É uma relação muito fácil e natural”, conta Castellane.
À referência vinda da moda e dos arquivos da Dior, Victoire de Castellane acrescenta uma maneira muito particular de enxergar a joia: um mix entre a ideia do amuleto, fonte de sorte, confiança e magia, e o afeto de uma peça que atravessa gerações e é capaz de guardar histórias e lembranças de antepassados. Não à toa, ela afirma encarar as joias como uma espécie de grande família em que peças nascidas séculos atrás seriam as tataravós das criações contemporâneas, podendo interagir, se misturar e coexistir simultaneamente. “Diria que minha história com as joias é uma relação passional desde que sou criança. Até hoje adoro observá-las: mantenho o mesmo fascínio por elas de quando tinha 5 anos.”
*Por Carolina Vasone para Vogue