Com tecnologia, ourivesarias perdem clientes e produção em massa se intensifica
Beatriz Bittencourt e Mirela Massinatore
Por trás de todo o glamour de uma peça de prata ou ouro em uma joalheria está o trabalho de um ourives, muitas vezes desconhecido, outras vezes passado de geração a geração. Sendo considerado um dos trabalhos mais antigos do mundo, há mais de 4.500 anos, hoje, as ourivesarias podem ser “extintas” com o crescimento da tecnologia.
No lugar do homem, as lojas estão adotando a prototipagem a laser – onde a peça é construída em 3D pelo computador e uma imagem virtual testa as pedras a serem usadas e outros materiais que poderão ser utilizados na confecção. Na prototipagem, a reprodução da jóia deve apresentar as medidas exatas para seu funcionamento, como os cortes para encaixar as pedras escolhidas. E, após a construção virtual, o arquivo vai para uma impressora 3D e o protótipo da peça é reproduzido em resina.
Caso seja uma peça única, o molde vai para um forno onde é fundido direto no metal desejado, ouro ou prata. Caso seja uma produção em escala, como ocorre com as bijuterias, com a peça em resina é feito um molde de borracha e nele injetam cera quente para modelar, para que esta peça seja fundida quantas vezes forem necessárias.
Porém, na produção tradicional, o processo passa a ser artesanal. O ourives Felipe Aloisi, dono da joalheria ‘Aloisi’, localizada em Campinas, explica que, para se criar uma jóia, não depende apenas de um profissional e sim da junção de vários especialistas. “O ourives cria a jóia, depois passa para o cravador, que faz a colocação das pedras. E por último, o polidor, para a retirada das imperfeições da peça. É muito difícil encontrar uma pessoa que execute as três funções”, diz o empresário, explicando a razão de muitas lojas optarem pela produção artificial.
A joalheiria “Aloisi” não descarta a prototipagem, mas investe sua produção principalmente no artesanato dos ourives. Para Aloisi, as jóias têm alma, são únicas e contém histórias, diferente do uso da máquina 3D – em que compara com bijuterias, onde há uma produção em massa de modelo e tamanho. “O trabalho de um ourives foi substituído por uma máquina. Com a impressora 3D, a mão de obra ficou mais cara e as pessoas foram perdendo o valor, optando por comprar uma peça sem a essência do ourives. Não posso tirar o mérito do trabalho do projetista, mas é algo mais simples, se algo está errado, você apaga e faz de novo, com o ourives você tem que fazer o processo novamente”, diz Felipe Aloisi.
Outro motivo para a extinção da ourivesaria é o valor da mão de obra. Uma peça fabricada pela mão de um ourives chega a custar R$ 1800 pelo trabalho de produção que ela demanda, enquanto em 3D sairia por R$1300, podendo o molde ser reutilizado várias vezes. A designer de joias, Fabiana Kreft, optou pela produção dos acessórios através da prototipagem 3D, motivada pelo perfil de seus clientes. “Por ser algo mais clássico, costumam pedir peças mais atemporais, que não saem da moda e que possam acompanhá-los por toda a vida, por isso a produção é feita em massa”, explica a empresária, dona de uma confecção de jóias com ouro 18k, prata e pedras naturais que traz ideias para confeccionar suas joias de diversas áreas, como arquitetura, natureza, arte e até mesmo automobilismo.
Porém, mesmo com o crescente uso da prototipagem e a diminuição do custo dos produtos no mercado, há consumidores que ainda preferem comprar joias que foram fruto do trabalho de um ourives. Mariana Costa, moradora de Campinas e dona de casa, não deixou de frequentar a ourivesaria perto de sua casa: “Prefiro o trabalho de um ourives porque sei que minha joia será feita artesanalmente e muitas vezes será única. Hoje, as coisas estão sendo feitas em massa e estão deixando de lado um trabalho muito importante”, completa Mariana, que leva suas ideias no mesmo Ourives a mais de 20 anos.
Processo de criação e produção
Kreft explica que a criação de uma joia começa com um esboço para uma apresentação e estudo da ideia, para assim, testar as formas, a estética e o movimento da peça para que possa ser produzida.
Depois do desenho, os metais utilizados passam por rolos compressores para ganhar forma, sendo o processo conhecido como laminação. Em seguida, acontece o recozimento, em que o material é aquecido ao ponto ideal para que possa ser manuseado. O quarto passo é a fundição, onde o metal é colocado em moldes para que a sua forma seja quase igual à joia.
O próximo passo é a cravação, onde a peça é marcada com um compasso, furada com uma broca para a aplicação das pedras e depois é utilizado um buril, para que o material seja lapidado. O cravador, que atua na área desde 1986, Marcelo Campos de Souza, ressalta que o trabalho deve ser feito de maneira cuidadosa por ser algo artístico: “É importante estar atento aos tamanhos das pedras e dos furos que as receberão. É um trabalho artístico, em que você lapida o material para que consiga embelezar a peça. Requer bastante tempo de dedicação, paciência e cuidado, as pedras não podem ser danificadas por serem preciosas”, relata Souza, que vê a cada dia os bastidores da ourivesaria serem substituídos por máquinas sem vida.