Por Franco Saraiva
Em junho de 2020, uma campanha ganhou força nos EUA, a “Stop Hate For Profit”. Você com certeza já deve ter ouvido falar. Ela incentiva empresas a pararem de anunciar no Facebook até que ele tenha respostas efetivas para a disseminação de discursos de ódio em sua plataforma. Acabei tentando entender melhor o cenário lendo e vendo sobre e percebi o quanto isso está intimamente ligado à maneira como fazemos comunicação, ou seja, nos comunicamos.
Lembro que certa vez li algo que achei interessantíssimo. Em 1901, missionários e oficiais ingleses ficaram espantados quando observaram em áreas remotas do continente africano nativos prestando homenagens e condolências pela morte da rainha Vitória, apenas alguns dias depois do ocorrido. Na época, o código morse e o telégrafo já existiam e telefone já era uma realidade, mas, para europeus, essa velocidade de comunicação, por quem eles julgavam primitivos, era assustadora.
A comunicação nas línguas africanas
Quando observamos algumas das línguas africanas, percebemos a importância do tom das palavras pronunciadas muito mais profundamente do que no ocidente. Afinal, como imaginar que uma palavra como “livro” pode mudar de significado apenas variando o tom ao pronunciá-la? Não apenas variância de sentido como quando fazemos uma pergunta aqui no Brasil, mas o significado em si da palavra muda.
Com esse “aditivo” à língua, foi possível criar um sistema baseado em sons gerados por instrumentos de percussão, que se repetiam a cada “estação” ou nova vila onde músicos o reproduzissem. Assim, uma informação viajava pelo continente muito mais rápido que qualquer mensageiro com carta, e eles já o faziam há muito mais tempo.
Não é muito diferente do que fazemos hoje com os sinais sendo reproduzidos a cada nova antena e/ou satélite para que sejam recuperados e reproduzidos na tela do celular (fora toda a complexação envolvida em telecomunicações).
A expansão da comunicação
Olhando para aquilo que nos trouxe até aqui, desde a primeira ligação feita lá em 1876 por Graham Bell até hoje, a nossa comunicação se expandiu, foi aperfeiçoada e, principalmente, universalizada. Hoje dispomos de ferramentas e plataformas que nos garantem uma comunicação clara e aberta(?) com qualquer lugar do mundo em que haja a estrutura mínima para isso.
Como chegamos ao “Stop Hate For Profit” a partir disso? Podemos pontuar uma diferença bem marcante no modo como nos comunicamos hoje para aquele que era feito até pouco tempo atrás. O ônus da comunicação.
A comunicação entre indivíduos comumente envolvia duas pessoas e apenas elas. Às vezes, o encargo da estrutura para um telefonema vinha de companhias, mas a comunicação, depois de conseguida a estrutura pelo indivíduo, cabia aos envolvidos.
Hoje, nossa comunicação, para que seja gratuita, expansiva e clara, é mediada por um terceiro componente. Este fornece a estrutura para que eu e você possamos nos comunicar de qualquer lugar do mundo, sem nunca ter nos conhecido. As tão famosas plataformas que usamos diariamente, como esta mesma na qual escrevo.
Ônus x bônus
Se antes o ônus era conhecer alguém pessoalmente ou pagar por um plano, hoje o ônus é “pago” pelo terceiro indivíduo. Se antes para uma informação cruzar o continente era preciso que o interlocutor soubesse decodificar tons e que alguém soubesse reproduzi-los em instrumentos, hoje precisamos apenas criar uma conta em alguma plataforma para isso.
Isso nos faz pensar sobre em quem recai a responsabilidade de como e qual conteúdo está sendo disseminado. Afinal, a parte mais “cara” dessa comunicação está paga. Disseminá-la então, ficou bem “barato”, surgindo com mais facilidade todo tipo de conteúdo, desde os mais benéficos até aos motivadores dessa campanha.
É um momento em que devemos pensar melhor em como nos comunicamos e em todos os indivíduos envolvidos nisso. Também devemos entender e encarar o ônus e o bônus que isso traz. Nos comunicamos assim faz muito pouco tempo, e é essencial que a reflexão nos pegue de tempos em tempos para, em conjunto, evidenciar os benefícios e minar os malefícios de uma comunicação global.