As mudanças no perfil e comportamento do consumidor de luxo implicam em profundas e rápidas adaptações nas empresas deste mercado
Fonte: Fashion Network
O mercado do luxo atravessa uma profunda mudança demográfica, que o obriga a reinventar-se. Com os baby boomers em declínio e a Geração X encolhendo, a base de clientes da indústria está em plena mutação face ao surgimento de novas gerações. O que exige, por parte das marcas, que escutem, comuniquem e assumam um compromisso radicalmente diferente em relação ao passado recente, mas também, e sobretudo, que assumam um novo papel, de acordo com o último relatório da Bain & Company, realizado em parceria com a Altagamma, que instituição que reúne os grandes nomes do luxo italiano.
A Geração Z, nascida entre 1996 e 2015, aumentará de uma participação de 8% em 2019 para 20% em 2025, a Geração Y, nascida entre 1981 e 1995, verá a sua participação expandir-se de 36% para 50% no mesmo período. Dentro de quatro anos, 70% da clientela do luxo terá, portanto, menos de 40 anos e terá contribuído, nesse período, para 180% do crescimento do mercado de luxo. Federica Levato, uma das autoras do estudo, observa: “Assistimos a uma renovação muito forte da base de consumidores. Em 2021, 25% do mercado foi gerado por pessoas que nunca haviam feito compras de luxo antes de 2019. Hoje, essa clientela é ainda mais multifacetada e influenciada pela sua própria cultura. Torna-se cada vez mais complicado atendê-la. É um desafio para a indústria, porque a demanda é muito heterogênea.”
Com o crescimento do digital, utilizado constantemente por estas gerações jovens, o modelo de negócios do luxo evoluiu, transformando-se num ecossistema que reúne uma infinidade de pontos de contato onde as marcas devem estar presentes com conteúdos específicos, mas também com uma imagem coerente. Como sublinha a analista: “A figura do vendedor em loja já não existe, ele foi substituído por uma espécie de consultor que acompanha o cliente em cada um desses pontos de contato.”
Em uma intervenção na conferência Altagamma durante a apresentação da pesquisa, Remo Ruffini, líder da Moncler, resumiu: “Isto implica uma forma de trabalhar muito diferente. Às vezes me sinto como um DJ! Antes nos focávamos em um canal de vendas, trabalhávamos de forma sazonal. Agora, tudo explodiu, os ritmos, as geografias, as redes de distribuição. É preciso correr atrás dos consumidores para lhes propor uma experiência ao invés de estar na loja para lhes vender um blusão, e a experiência deve ser tão apaixonante na internet como na loja.”
Há 20 anos, o mercado do luxo assumia a forma tradicional de uma pirâmide baseada no preço e na segmentação de preços e objetivos, indo do luxo acessível na base até ao luxo absoluto e ultra exclusivo no topo. Hoje em dia, a pirâmide evoluiu para uma forma oval com fronteiras fluidas, onde os clientes entram e saem por todos os lados, indicam os analistas no seu estudo. Efetivamente, estas segmentações habituais de mercado, tal como as diferentes categorias de produto, já não têm a mesma importância. “Já não são representativas da estratégia das marcas e já não constituem por si só alavancas de rentabilidade”, indica Claudia D’Arpizio, associada da Bain & Company e coautora do relatório.
“Hoje em dia, o cliente orienta-se diretamente para a marca que o inspira, encontrando aí uma espécie de gama enorme de programas de argumentos, que podem ser categorias de produtos, preços etc. O aspecto funcional desses produtos é muito relativo. São comprados por outras razões, através de uma condição emocional de engajamento e podem ser igualmente lucrativos para a empresa, seja em relação à roupas, acessórios ou calçados.”
A analista cita como prova o enorme sucesso daquilo a que chama de “produtos heróis”. “Certos artigos icônicos, seja uma bolsa de prestígio ou um sneaker famoso, representam por si só vendas de 1 ou 2 bilhões em volume de negócios. São marcas por direito próprio dentro das marcas. Neste contexto, já não é, portanto, a categoria de calçado que faz o negócio, mas esse modelo preciso de sapato. Da mesma forma, já não é a categoria de bolsas, mas esse artigo simbólico em particular.”
A isso soma-se o tema do desenvolvimento sustentável, que constitui cada vez mais um elemento essencial na escolha do consumidor em favorecer uma determinada marca considerada mais respeitadora do meio ambiente. A ecologia está se tornando decisiva para este mercado, como prova a explosão do mercado de usados, estimado em 33 bilhões de euros pela Bain & Company.
Neste contexto, o logotipo continua representando um forte elemento de pertencimento. Já não como um estatuto, símbolo de riqueza, mas porque através dele o consumidor pode definir as suas escolhas e associar-se a uma marca que represente os seus valores. “O cliente usa o logotipo com orgulho, porque este transmite a mensagem da marca ou uma posição do seu diretor artístico”, explica Claudia D’Arpizio. “Há uma osmose muito forte entre o consumidor e a marca.”
Segundo a analista, esta tendência levará a indústria do luxo a transformar-se em uma “indústria cultural mais ampla”. Inicialmente produtoras de artigos de luxo, depois varejistas, gradualmente transformadas em empresas multimídia, as marcas assemelham-se nos dias de hoje a “plataformas com conteúdos ainda mais extensos, que acolhem a criatividade e os consumidores vinculadas pela cocriação”. “As marcas tornam-se players culturais em sentido próprio, capazes de transpor valores numa sociedade civil, com um papel quase político”, observa a pesquisadora.
Esta nova função não é fácil de assumir. Efetivamente, até agora, o mercado do luxo desenvolveu-se paralelamente à distribuição da riqueza e ao aumento do poder de compra das classes média e alta. “Atualmente, existe uma forte polarização de riquezas”, sublinha Claudia D’Arpizio. “Isso começa a tornar-se um elemento que deverá preocupar as empresas de luxo, porque coloca em contraposição quem pode permitir-se certas compras e quem não pode.”
“O setor passou incólume por esta crise histórica ligada à pandemia, mas as dúvidas permanecem no horizonte. Certamente, a indústria terá que enfrentar a temática das desigualdades sociais. Uma equação difícil de resolver entre as compras de luxo, símbolo de sucesso social, e a nova filosofia das marcas que colocam a humanidade e a cultura no centro da sua estratégia.”