A sequência de desastres do varejo nacional é um sinal vigoroso de que é melhor apressar o passo na direção do futuro. Mas isso não é uma sentença de morte e sim um convite à sobrevivência.
Em um curto período, notícias preocupantes chacoalharam o varejo brasileiro. Americanas reportou dívidas não contabilizadas superiores a R$ 42 bilhões e, em seguida, entrou em recuperação judicial. Lojas Marisa e Tok&Stok anunciaram planos de reestruturação e renegociação de dívidas. Livraria Cultura teve a falência decretada pela Justiça de São Paulo, decisão temporariamente suspensa, por conta de um recurso da empresa. A lista não deve parar por aí.
Afinal, o que está acontecendo? Seria o acúmulo de problemas nesse início de ano apenas uma terrível coincidência?
Infelizmente, não. Estamos testemunhando um processo que ainda está longe do final. Não apenas no Brasil, mas em todo o planeta, varejo não é mais o que era antigamente. E apesar de ter gente surfando bonito a onda da transformação, há também os que estão tomando caldo. Quem não se mexer corre risco. O varejo está vivendo, sem dúvida, o seu ‘momento Kodak’.
Aqui cabe uma explicação. Há cerca de um ano publicamos, aqui mesmo neste espaço, um artigo que deu o que falar. O título dizia: “Shopping Centers estão vivendo seu ‘momento Kodak’”. Algumas pessoas, que leram apenas o título, acreditaram que estávamos prenunciando o fim dos shoppings. Obviamente, não era nada disso. Quem se deu ao trabalho de ler o artigo entendeu que estávamos enviando um alerta para os centros comerciais.
A Kodak tinha a tecnologia digital e uma janela de tempo para se adaptar às mudanças que afetariam seu negócio. Simplesmente não conseguiu evoluir e definhou, abraçada às câmeras, rolos de filmes, máquinas de processamento fotográfico, materiais químicos e papel para imprimir fotos.
Nosso artigo afirmava que, assim como a Kodak, os shoppings também tinham algum tempo para evoluir seu modelo de negócio. Precisavam apenas começar logo a jornada, em vez de ficarem apegados a um formato que se mostrou tão bem-sucedido por tanto tempo.
Pois bem. Algo parecido está acontecendo neste momento com o varejo. No entanto, essa janela de tempo está se encurtando rapidamente, por conta de aceleradores externos, tanto os econômicos, quanto os tecnológicos e comportamentais. A sequência de desastres no âmbito do varejo nacional é um sinal vigoroso de que é melhor apressar o passo na direção do futuro.
Processos estruturais dificilmente produzem resultados imediatos, sejam eles positivos ou negativos. Em outras palavras, o problema não começou agora nem possui uma causa única. Foi produzido pelo acúmulo de rachaduras no modelo de negócio desses varejistas, negligenciadas ao longo do tempo. Da mesma maneira, as medidas tomadas não terão efeito instantâneo. O conserto leva tempo.
Quando observamos as estratégias dos grandes grupos varejistas nacionais e internacionais, com sua atuação omnichannel, investimentos na construção de grandes bases de dados de clientes, exploração da inteligência artificial para elevar eficiência e produtividade, mudança nas funções das lojas físicas e diversificação de receitas por meio da oferta de serviços variados, percebemos o quanto o negócio mudou nos últimos anos.
Diversas empresas brasileiras se aventuraram com sucesso na construção do novo. Por outro lado, a lista dos que estão atrasados é enorme. É preciso apertar o passo. Esse contingente de varejistas em risco engloba ainda uma quantidade impressionantemente grande de pequenos varejistas, muitos deles desorientados diante de mudanças tão velozes e profundas.
É um pessoal que ainda separa o analógico do digital, usa a loja apenas como ponto de venda, não tem clientes cadastrados nem estratégia para venda ativa, e que avalia seu time pelas vendas que ele produz. Desse jeito, encontrarão muitas dificuldades para competir e produzir resultados.
Um último alerta: a aceleração no processo de transformação do varejo brasileiro, evidentemente, terá importantes impactos nos shopping centers. Mas isso é assunto para uma outra ocasião.
Por enquanto, vamos nos ater ao principal: o ‘momento Kodak’, pelo qual passam varejistas e shopping centers, não é uma sentença de morte. Pelo contrário. É um convite à sobrevivência. Mãos à obra, portanto.
*Luiz Alberto Marinhoé sócio-diretor da Gouvêa Malls. Artigo para Mercado & Consumo