O que um afro-americano na direção artística de uma das mais tradicionais marcas francesas nos ensina sobre o luxo contemporâneo?
Por Rosana de Moraes
Virgil Abloh nasceu na periferia de Chicago, foi skatista, grafiteiro e DJ. Superando as naturais dificuldades de um filho de imigrantes africanos, formou-se engenheiro e mestre em arquitetura, mas encantou-se pelo design – especialmente o fashion design.
Captado pelos universos street e hip hop, se tornou diretor de criação do rapper Kanye West e, mais tarde, lançou sua própria marca. A Off White se transformou rapidamente num fenômeno de vendas que gera filas nas portas de suas lojas. Seus lançamentos desaparecem das prateleiras, mesmo a preços que chegam ao dobro de similares de marcas de luxo tradicionais. O estilista criou moda de luxo para quem ama o universo street e já vestiu personalidades como Rihanna, Beyoncé, Jay-Z e Justin Bieber. Além disso, estabeleceu parcerias com marcas como Nike, Supreme e Jimmy Choo.
Pois bem, Mr. Abloh acaba de se tornar diretor artístico da coleção masculina Louis Vuitton, a marca francesa fundada em 1854. E o que essa escolha nos diz sobre o luxo contemporâneo?
Primeiro, é necessário ter em mente que vivemos num ambiente V.U.C.A. O termo, surgido no ambiente militar na década de 1990 para explicar o mundo pós Guerra Fria, descreve perfeitamente a nossa realidade no século XXI. Suas letras são as iniciais (em inglês) de: Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo.
Volátil na medida em que somos submetidos a um volume extremamente elevado de mudanças e elas ocorrem em velocidade tão frenética que se torna difícil prever cenários como fazíamos antes. Incerto porque padrões do passado são destruídos rapidamente. Complexo devido à maior conectividade e interdependência das inúmeras variáveis em jogo para qualquer decisão. O que fazemos localmente pode repercutir – de forma positiva ou negativa – do outro lado do mundo. E, finalmente, ambíguo pelas múltiplas formas possíveis e relevantes de interpretar o mundo na atualidade: nossas análises são cada vez menos baseadas em históricos e experiências anteriores, sendo necessárias novas formas de enxergar e agir.
Nesse ambiente de transformações intensas e disruptivas, no qual a mudança é a única certeza, talvez os desafios sejam ainda maiores para as marcas de luxo, pelo rompimento de padrões mais arraigados, ligados especialmente à tradição. É certo que a consolidação de uma marca de alto padrão (mesmo nova) é um projeto de longo prazo. Porém, a inovação é mais que uma opção. No mundo V.U.C.A., ela é condição para a permanência e relevância das marcas, para que elas se mantenham contemporâneas e desejáveis. A adaptabilidade, enaltecida já por Charles Darwin, é imprescindível como resposta às demandas do ambiente, ao inesperado. Para marcas mais que centenárias, haja agilidade e também coragem, para romper com padrões do passado!
Virgil é muito mais que o primeiro afro-americano a comandar uma coleção Louis Vuitton. E também muito mais do que um estilista do mundo da moda de rua assumindo a liderança de estilo numa grife francesa tradicional. Sua escolha é consequência da necessidade de trazer novos olhares ao luxo – na moda e em suas demais manifestações.
Afinal, como antecipou Alvin Toffler, um estudioso da revolução das comunicações, “os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”.
Rosana de Moraes é mestre em Administração de Empresas com ênfase em Marketing / Comportamento do Consumidor. Publicitária, tem especializações em Marketing, Varejo e Serviços e Luxury Products Management. É palestrante e professora em MBAs e cursos de extensão. Há mais de duas décadas atua no mercado de luxo, tendo sido responsável pela Comunicação e Marketing de marcas como Amsterdam Sauer e relógios Dior, Hermès, Ulysses Nardin, Breguet, Revue Thommen, Vulcain e Concord no Brasil. É Diretora da RM Lux Consultoria e Conhecimento.