Os joalheiros Ara Vartanian e Lais Demarchi conversam sobre os impactos da indústria joalheira, mineração responsável, ouro certificado e o poder do coletivo
Por Vivian Sotocórno*
Aos 47 anos, Ara Vartanian soma duas décadas de marca. Entre 2016 e 2020, teve uma loja própria em Londres e, agora, se prepara para inaugurar um endereço em Miami. Desde 2018, vem transformando a sustentabilidade em um pilar da sua empresa. No mesmo ano, idealizou o programa O Futuro É Brilhante, que, entre outras ações, divide com mais joalheiros práticas de impacto positivo da sua empresa e fornecedores de mineração responsável.
Fundada em 2012 por Lais Demarchi, 34 anos, a Verachi atende em um estúdio com hora marcada em São Paulo e possui e-commerce (verachi.com.br). A marca tem abraçado boas práticas de responsabilidade social e ambiental. Entre elas, a utilização de ouro de upcycling (é incentivado que as próprias clientes tragam peças antigas) e de pedras provenientes de mineradoras que praticam extração responsável.
Lais Demarchi: Há dois anos, te procurei para falar sobre os impactos da nossa indústria e você abriu a agenda e me apresentou seus fornecedores de pedras de extração responsável. Por que será que o nosso mercado é tão fechado?
Ara Vartanian: Para salvar e transformar a nossa indústria, é preciso unir forças. Eu não conseguiria fazer uma grande movimentação sozinho, tinha que literalmente abrir as cartas e dividir meu aprendizado, que é limitado, com os outros players. É um momento de mudança; é ok falar que você não sabe tudo, mostrar transparência. A gente não tem um grande exemplo de sustentabilidade na joalheria brasileira, um ponto de partida, fomos criando o nosso próprio modelo.
Lais: Ser marido e pai te tornou mais sensível à responsabilidade socioambiental?
Ara: Este processo começou dentro de casa, na verdade. Se você olha para o que consome e busca marcas que produzam de maneira consciente e responsável, começa a olhar para dentro da sua marca para não se contradizer.
Lais: Desde o começo da Verachi, trabalhamos com ouro de upcycling. Muito pelo meu incômodo de ver peças paradas, inclusive das clientes. Mas eu tinha um incômodo em relação às pedras. Perguntava para os fornecedores de onde elas vinham e não era um costume falar sobre isso. “A pedra é boa, o preço está bom, por que você quer saber de onde ela vem?”, diziam. Após você dividir comigo seus fornecedores, fui visitar pessoalmente as minas Belmond e Cruzeiro e hoje só consumo esmeraldas, turmalinas e águas-marinhas proveniente delas.
Ara: A comunicação do joalheiro diretamente com a mina é uma coisa meio inédita. Sempre tinha um intermediário no meio. Foi muito interessante. Os mineradores começaram a nos escutar, passamos a falar deles no nosso Instagram, o que foi bom para eles. Eu falava: “Cara, você está vendendo uma pedra para um chinês, ele está recebendo isso do outro lado do mundo, não sabe que ela vem de Minas Gerais, de todo o trabalho de extração consciente e responsável que você faz. Você tem que falar sobre isso, educar o cliente”. Já estamos atraindo outras minas, pessoas de outros países que também estão a fim de trabalhar conosco. Com o tempo, vamos ter cada vez mais força.
Lais: Tem até um embate com clientes que pedem esmeraldas colombianas porque consideram a cor mais clara. E não é porque é colombiana que vai ser clara. Ensinar que as esmeraldas brasileiras são incríveis também é um processo.
Ara: Não quero ter avião, helicóptero, barco… Minha vida está relativamente em ordem. Daqui a dois anos, vou completar 50, que é mais ou menos metade da nossa vida. Meu business está num ponto maduro. Vejo que tenho a obrigação de devolver para a indústria. Somos responsáveis pelo que vendemos. O que é mais importante em uma empresa? O faturamento ou fazer a coisa certa? Tenho muito medo dos grandes grupos que vêm com uma força muito grande e visam apenas o lucro. Isso pode literalmente acabar com a nossa indústria.
Lais: Muitas vezes, trabalhamos com o markup mais baixo para ter pedras de qualidade e com nota fiscal. É um mercado que trabalha na informalidade e sem fiscalização e estamos concorrendo com esse tipo de produto.
Lais: A formação de um coletivo de joalheiros brasileiros, que se reuniu para checar e trocar sobre a origem do metal, é um ganho importante do nosso setor, e nasceu da sua iniciativa. O que espera do nosso comitê?
Ara: Tudo começou quando fomos buscar informações sobre onde encontrar ouro com origem rastreável. Tivemos uma conversa com o Instituto Socioambiental (ISA), que trabalha e faz muita pesquisa com a população indígena. Eles nos indicaram o Instituto Escolhas [organização socioambiental dedicada à produção de dados e evidências para o desenvolvimento sustentável]. Ao lado deles, fizemos várias pesquisas, e nos chamaram para uma reunião no Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração). Lá, participamos de conversas com grandes mineradoras, como a Kinross, que produzem toneladas de ouro por ano destinados à exportação, e agora temos esse canal de troca. Nos unimos então a outras marcas e montamos um grupo de joalheiros com o IBGM (Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos). Nesse grupo, discutimos a parte fiscal, o que podemos melhorar, quais são os melhores caminhos. Abrimos conversas, trocamos fornecedores. Tem uma empresa brasileira, por exemplo, que passará a certificar a origem do seu ouro com blockchain. Atualmente, 12 marcas participam desse comitê, como Fernando Jorge e Antonio Bernardo. A partir desse grupo, vamos montar o Comitê do Ouro Certificado, uma organização que possa ajudar as joalherias na busca por ouro com origem rastreável. O sistema não vai nos ajudar, nós é que temos que nos ajudar. Além disso, a mudança de governo foi uma coisa importante nesse processo. A “nota fiscal de boa-fé” deixa de ser usada, sendo substituída pelas notas fiscais eletrônicas.
Lais: Essa mudança vai ser um turning point. Não era possível assegurar de onde veio o ouro, por conta da nota fiscal de papel.
Ara: Você podia fazer tudo certo fiscalmente e, mesmo assim, sem saber, adquirir ouro extraído de forma ilegal.
Vogue: Ara, você está em um momento de expansão internacional, com a inauguração de uma loja em Miami, no shopping Bal Harbour.
Ara: Quando eu inaugurei uma loja em Londres, em 2016, fui para aprender sobre o mercado e a cidade. Era um movimento pessoal, de maturação da marca. Foi incrível para minha vida profissional. Estar perto da Bond Street, o maior centro de joalheria do mundo, ao lado dos mais importantes players. Esta segunda fase, em Miami, é mais comercial. E vai ser interessante falar desses temas lá fora, né? Estou curioso para ver como serão recebidos.
Lais: Vou fazer a minha primeira feira internacional em junho, a Couture [uma das mais importantes do mundo, acontece anualmente em Las Vegas]. A Verachi foi convidada pela Mina do Cruzeiro para desenhar joias com as turmalinas de mineração responsável da mina, para apresentar as gemas e ilustrar esse caráter sustentável na feira. A minha intenção é estar em multimarcas daqui a um ano mais ou menos. A feira vai ser uma experiência para sentir o mercado, os buyers, onde o estilo de design da Verachi se encaixa melhor.
Ara: O que mudou desde que começou a marca?
Lais: Eu trabalhava em uma estamparia e fazia joias para amigas, quando tive meu primeiro filho. Foi na intenção de ter uma agenda mais flexível que a Verachi nasceu. Minha avó tem primos ourives, sempre gostou de joalheria e passou essa paixão para mim. Comecei pequena, minha preocupação em vender era grande. Observando desenhos antigos, vejo que fazia escolhas mais comerciais. Minha virada de chave se deu durante a pandemia. Perdi minha sogra, que era como uma mãe para mim. Foi um baque, que me fez refletir sobre diversas coisas. Por que joalheria? Por que eu? Esta foi a principal mudança desde quando comecei até hoje: ter coragem para fazer as coisas do jeito que acredito.
* Vivian Sotocórno para Vogue