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O segredo de Ara Vartanian depois de 20 anos de joias e sucesso

O segredo de Ara Vartanian depois de 20 anos de joias e sucesso

O segredo de Ara Vartanian depois de 20 anos de joias e sucesso

Após dobrar o faturamento de 2019 a 2022, o joalheiro inaugura loja em Miami e muda a prioridade: o que importa agora é a mineração consciente e a divulgação de boas práticas no setor

*Por Décio Galina

O joalheiro Ara Vartanian ficou queridinho de famosas como Kate Moss, Lupita Nyong’o, Madonna e Penelope Cruz. Foto: Ioram Finguerman

Um bebê engatinha no chão cintilante do escritório do pai, onde pedacinhos de pedras preciosas brilham como se fossem estrelas. Ele se encanta pelas mais lindas e vai guardando seu pequeno tesouro em um potinho, enquanto o pai mergulha nas nuances de diamantes e outras belezas enfileiradas sobre a mesa, aguardando a vez para se mostrarem sob a lupa. Aos 48 anos, Ara Vartanian recorda da cena como se fosse ontem. “Eu já devia ter um ano e meio, ou dois, pois já sabia andar, mas é uma coisa muito emblemática a minha lembrança de engatinhar buscando pedrinhas.”

Nascido em Beirute (Líbano), o garotinho de ascendência armênia cresceu, transformou-se em um dos joalheiros independentes de maior sucesso no Brasil, internacionalizou sua produção vendendo durante cinco anos em Londres (no bairro Mayfair) e, em abril deste ano, após completar 20 anos de profissão, inaugurou uma loja no Bal Harbour Shops, em Miami. “Me ofereceram um ponto de venda por um valor bem razoável. Foi a primeira vez que abriram para uma grife que não tivesse outra loja nos Estados Unidos.”

Famoso por ter suas peças na rotina de Kate Moss, Jennifer Lawrence, Liv Tyler, Lupita Nyong’o, Madonna e Penelope Cruz, o que mais importa hoje para o joalheiro está bem longe dos tapetes vermelhos e do foco dos fotógrafos: trabalhar com minas certificadas, aproximar-se dos fornecedores e divulgar boas práticas, inclusive para seus concorrentes – um movimento iniciado em 2019, com uma engenheira ambiental na equipe, e que batizou de Mineração Consciente, um dos braços de um projeto maior, chamado Futuro Brilhante. “Por mais que exista concorrência, os joalheiros têm que ser parceiros”, sugere Ara. “A gente tem que pensar no planeta e no impacto da nossa atividade.”

Pai de três filhos (um menino de 18 anos do primeiro casamento e duas meninas, de 12 e de 7 anos, com a atual esposa, Sabrina Gasperin), Ara preza cada vez mais o lazer familiar e o tempo livre na casa de São Francisco Xavier (SP), na Serra da Mantiqueira. “Ele é movido à paixão, se entrega sem medo, e isso é muito legal nele – há até uma certa ingenuidade”, conta Sabrina, que foi modelo dos 17 aos 30 anos e hoje trabalha com o marido, no marketing da empresa, além de já ter desenhado coleções de joias para ele. “A estética sempre nos uniu.”

A seguir, trechos da entrevista com Ara Vartanian, concedida na casa da família, no Alto de Pinheiros (lar desenhado por Aldo Urbinati, o mesmo arquiteto que fez o refúgio em São Francisco Xavier, o show room em São Paulo e a loja em Miami).

Forbes – Qual é a ascendência de seus pais?

Ara Vartanian – A família é armênia. Meu pai é do Líbano. Ele tinha uma loja de joias e relógios em Beirute, era representante da Omega. Minha mãe é de Aleppo, na Síria. Quando era jovem, ela gostava de pintar.

Onde passou a infância?

Nasci em Beirute, mas só fiquei um ano lá. Saímos com o começo da guerra. Viemos para São Paulo, e o primeiro lugar onde morei foi na Rua da Consolação, em um prédio nos Jardins. Aos seis anos, adorava andar de patins ouvindo música. No início dos anos 1980, meus pais tiveram a brilhante ideia de ir para Alphaville. Ali, comecei com bike e moto. A minha primeira moto foi uma Yamaha marrom RX80 que peguei na troca por uma bateria, aos 11 anos. Fiquei em Alphaville até os 14 anos.

Para onde foi depois?

Fui “convidado a me retirar” do [colégio] Dante Alighieri porque toquei o sino da escola. Depois, soube de mais gente que foi expulsa pelo mesmo motivo, como o [arquiteto e designer] Carlinhos Motta. Aí, um amigo do meu pai sugeriu a Escola Internacional de Genebra. Meu pai perguntou se eu queria – disse sim!

Quanto tempo ficou lá?

Fui passar dois meses e acabei ficando quatro anos. Foi a melhor coisa que fiz. Comecei a me encontrar, um ambiente muito bom, funcionei bem melhor.

Nessa época, você já sabia o que queria fazer da vida?

A joalheria sempre esteve presente na minha vida por causa dos meus pais. Depois que viemos para o Brasil, meu pai tinha escritório na [Rrua] Xavier de Toledo. Ele comprava e vendia pedras; minha mãe, tinha a sala do lado e desenhava joias. Em Genebra, você tem lojas, relojoarias e joalherias… Olhava vitrines com meus pais, conversávamos do assunto, mas o meu pai sempre idealizava que eu fizesse relações internacionais, ou fosse de banco, mercado financeiro. Ele não queria que eu fosse do business de joias, pois já tinha meu irmão mais velho que seguiria nessa área.

Que faculdade resolveu fazer?

Fui fazer economia na Universidade de Boston. Em algum momento da minha vida, assisti a Wall Street [Oliver Stone, 1987], com Michael Douglas e Charlie Sheen ralando Nova York… Pensei: “é isso que quero ser!” (risos) Não quero ficar em escritório. Então, vou para Boston, depois mercado financeiro e vou rasgar Nova York (risos). Mas deu tudo errado. O mercado financeiro era horroroso.

O que aconteceu?

Depois da faculdade de economia, te dão uma licença de trabalho por um ano. Arrumei trabalho no prédio da Bloomberg, perto da 59 com a Park Avenue. Eu operava Nasdaq numa empresa de trading. Tinha dias lindos e outros tenebrosos. Os tenebrosos eram mais fortes do que os lindos – para a minha sorte. Um dia, o mercado desabou – e desabei junto. Desci na Park Avenue, liguei para meu pai e falei: “that’s it”. Já estava 11 anos fora do Brasil e fazia uma coisa em que eu não era bom (tinha amigos que eram bons…). Queria voltar para cá.

Qual foi a reação do seu pai?

Falei que voltaria para o Brasil, mas iria trabalhar para ele, uma vez que tinha pagado meus estudos. Ele respondeu: “fica aí…”. Não aceitou no início. Mas eu sabia que tinha um dom estético – só não sabia como ganhar grana com isso. Voltei do mesmo jeito. Foi no ano 2000. Quando ele percebeu que eu não mudaria de ideia, me disse para fazer um curso em Nova York, no Gemological Institute of America, já que tinha o apê lá. Assim, me tornaria gemólogo. Eu me alistei no curso, estava tudo certo para voltar aos Estados Unidos, mas, na véspera do embarque, estava dirigindo um Mitsubishi, virei na Angelina Maffei Vita e cai num buraco! Meu dedo fez assim: [gesticula o dedo entortando]. Estava discutindo com alguém no celular, com cigarro na mão… Detonei meu dedo da mão esquerda. Fui ao médico e ele meteu dois parafusos. Claro que não poderia fazer o curso assim. É a mão com que a gente usa a pinça; a direita segura a lupa. Bom, fiquei.

Ele aceitou vocês trabalharem juntos?

Sim, comecei a trabalhar com ele. O escritório dele ficava no Call Center, na Faria Lima. Fiz um curso técnico bem intensivo. Meu pai era atacadista, vendia pedra e joia para joalheiro. Eu via pedra o dia inteiro, todo dia, no escritório. Comecei a viajar, comprar pedras, dar preço… Quando não estava com o meu pai, sentava com minha mãe e desenhava joias.

Quando lançou as suas primeiras joias?

Em 2002, lancei a minha linha, meio contra a vontade dos meus pais. Fiz escondido. Sempre curti arte contemporânea, então, pensei em uma colaboração com artistas dos quais eu não tinha como comprar. Eu produzia as joias e ficava com os desenhos dos artistas e com a primeira peça. O primeiro foi o Ernesto Neto. Daí, ele levou a [Adriana] Varejão no escritório do meu pai, que começou a se incomodar com o movimento e a perguntar: “Filho, quem são essas pessoas?”. A próxima seria a Beatriz Milhazes, que acabou não rolando. Então, decidi ir por outro caminho: fiz uma porrada de anel, coloquei numa malinha e fui vender em Nova York.

Como foi a aceitação?

Passei em vários lugares, mas diziam que as peças eram grandes, que isso não venderia. Até que uma aceitou ficar com as 30 peças: Kirna Zabête. Quando fui pegar no dia seguinte, falaram que os anéis tinham ido para Las Vegas. Lá, o stylist da Céline Dion gostou, ela estava com um show na cidade e ficou com seis peças. As restantes voltaram e eu deixei em outro lugar que gostou: Takashimaya. Pronto. Já tinha dois pontos de venda em Nova York. Na volta ao Brasil, meus pais torceram o nariz com o fato de eu estar fazendo joia. Diziam que eu não podia vender aqui, pois já tinha meu irmão vendendo. Achavam que eu deveria só trabalhar com pedra.

Como lidou com a falta de apoio?

Fiquei escutando esse barulho deles até 2005. Segui trabalhando com pedra sem deixar de fazer minhas joias. Até que pensei: “Quer saber? Tchau para o meu pai e para a empresa dele”. Saí do business da família com uma mão na frente e outra atrás. Vendi o carro e dois ou três Rolex. Comprei ouro e pedra – e fui para as cabeças. Tirei todas as peças que estavam na Bergdorf Goodman [Nova York] para conseguir ter as joias para vender aqui e começar a fazer o business girar. Peguei uma sala micro na Faria Lima, onde pagava R$ 800 de aluguel, e duas pessoas me ajudavam. Mas o sonho da minha vida era ter escritório em um imóvel ao lado que tinha placa de “aluga-se”. Um dia, perguntei quanto era o aluguel, fiz as contas e vi que precisava vender quatro brincos por mês para poder bancar o novo lugar. Passou um tempo e estava vendendo 10 brincos. Mudei para lá, montei uma oficina com um ourives de confiança e fiz meu show room atual [Rua Campo Verde, escritório de dois andares com 300 metros quadrados cada um]. Para entrar, tinha que passar por portas de ferro, cruzar um túnel ouvindo a minha música, sentindo o cheiro de uma essência. Mexia com todos os sentidos das pessoas. Meu pai falava que eu estava louco, que era perigoso ter a oficina, que eu seria roubado, mas preciso da minha equipe, dos meus ourives, no one to one. Minhas joias são únicas. Como não fiz faculdade de design, eu tinha uma insegurança. Sempre respeitei o que estava dentro da minha cabeça, a parte criativa. Eu me policiava para não olhar nada. Minha mãe, que se baseava em catálogos de grandes marcas, dizia que eu não venderia nada.

O que era (e é) a coisa mais importante na hora de criar uma peça?

A pedra. Ela sempre vem em primeiro lugar. Então, qual foi a minha busca? De ser um mestre na compra das pedras, de entender a pedra… E, uma vez que eu estava criando, também tentava me sabotar: “Ah, isso aqui é perfeito para um brinco… Então, vou fazer um colar”. Sempre criei desafios para mim. Fugia do óbvio. Comecei a virar gota de ponta-cabeça numa época que quase ninguém fazia isso. Imagina como meu pai ficou quando eu virei um diamante de ponta-cabeça?! O cara que trabalha com pedra não é pelo ganho; é pela emoção que aquilo dá; é tesão, a pedra fala com você. É um presente da natureza. Como parte criativa, tenho a consciência de que só sou um pedestal para a pedra. Isso traz muita humildade e verdade para o trabalho.

Quando e como começou a ter uma preocupação maior com a procedência das pedras?

Já fui visitar minas para o meu pai, lugares sem muita organização e artesanais. Então, sempre ficou a ideia de ser um lugar para ficar longe, de mexer só na pedra lapidada. Em 2019, um jornalista estrangeiro veio visitar minas brasileiras e, ao me encontrar, contou que tinha visto um trabalho incrível de mineração em Minas Gerais, com turnos curtos de exploração e outras qualidades. Falei: “Sério? Aqui no Brasil?”. Aquilo mexeu comigo: como pode, a 500 quilômetros da minha mesa, uma realidade que não estou sabendo? Decidi ir lá. Fica na região de Itabira (MG). Ao comprovar que estavam realmente fazendo um trabalho incrível, olhando para a comunidade, com pagamento justo, pensei no projeto Mineração Consciente. Fiz a coisa oposta ao que meu pai fazia, que era fechar a vinte chaves quem eram seus fornecedores. Decidi falar de onde compro, ter transparência, dividir com os joalheiros concorrentes. Comecei a postar no Insta a mina que estou indo visitar sem fazer acordo prévio com o dono, nem ganhar comissão.

E os concorrentes entenderam dessa forma?

Super. Alguns falando comigo; outros, quando ia ver o Insta, eles estavam lá na mina. Cara, tem mercado para todo mundo. Agora já recebemos ligação de outras minas. Estamos abrindo um núcleo de pessoas com consciência. Gente independente, apaixonada por pedra, de 40, 50 anos. Está aparecendo um espaço de conversa lindo. Estamos falando de reflorestamento de mata nativa, de volta da fauna local, de proteção de nascentes.

Como está a operação este ano?

Estamos lutando muito, investindo na marca. De 2019 para 2022, conseguimos dobrar o faturamento. Decidi abrir uma loja em Miami, tinha a opção de um ponto muito bom no Bal Harbour, que, para o comércio de luxo, é um dos melhores lugares do planeta. Agora a marca está madura para abrir nos Estados Unidos.

Quais são as peças icônicas dos seus 20 anos de trabalho?

Anel de dois dedos. O meu desafio estético é como a joia vai vestir o corpo da pessoa – o conforto da joia. Quis fazer um anel com pedra grande, e saiu o anel de dois dedos, pois usei essa cava. Brinco anzol. Queria uma peça mais pesada, apoiada na orelha. Diamante invertido. Quando virei de ponta-cabeça, meu pai surtou. Mas a pedra é linda assim também, tem ponta afiada, ela se comunica de outra forma.

E seus hobbies, quais são?

Meus hobbies viraram minhas paixões. Carros, motos, objetos, mobiliários, décadas de 1950, 1960, 1970 – antes de as coisas durarem menos para vender mais. Garimpar peças para motos. Sair do ateliê, voltar para a casa de moto antiga me traz um clima de coisa analógica, me faz bem. Aí, em casa, começo a mexer na moto, tomando uma cerveja – é uma massagem no cérebro, de uma forma criativa. Tenho algumas Harleys, carros antigos, jipes. Porsche foi a maior paixão por muito tempo, tive vários das décadas de 1950, 1960, 1970, restaurava, era divertido. Agora uso uma Range Rover rara, série 1, verde-abacate.

O que é mais importante daqui para a frente?

Não fiz festa de 20 anos da marca. Estou mais preocupado com o que eu vou fazer nos próximos 20 anos. Esses primeiros foram a construção da marca. Mas e os próximos? Como é que minimizo meu impacto? Quanto representa a minha pegada? Nosso grupo de marketing era voltado para celebridades que vestiam a marca. Hoje nosso foco está no coração da marca: de onde vem a matéria-prima e como fazer as peças. Eu não vou ter avião, helicóptero, barco e não tenho um rush louco. Gosto de fazer direito. A marca fez 20 anos, e eu tenho quase 50, metade da vida. Sou grato ao meu time e à minha criatividade. Como se aplica isso? Andando na mata, em São Franciso Xavier, achando uma madeira e fazendo depois uma marcenaria, sozinho.

* Décio Galina para edição 107 da revista Forbes. 

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