Por Eliana Gola
Um giro pela história recente da nossa joalheria
É consenso: até o início dos anos 1990, as joias produzidas no Brasil eram, em sua maioria, cópias de modelos internacionais consagrados, mas consideradas de categoria inferior, não só pela falta de originalidade mas também pela falta de qualidade no acabamento e confecção. A indústria nacional demorou a perceber a importância de um design próprio, o DNA da marca. Assim, a exportação e a concorrência eram prejudicadas e, até, impossibilitadas, pela baixa qualidade de nossas joias, sem falar nos altos impostos exigidos no país.
No começo dessa década, a abertura do mercado às importações expôs ao público brasileiro a necessidade de um upgrade geral, principalmente:
- Relações estéticas autênticas
- Soluções plásticas próprias
- Tecnologia própria
- Qualificação de profissionais de criação e produção
- Ampliação do conhecimento dos materiais
A joia aqui produzida industrialmente necessitava de todo esse know how para se enquadrar no padrão de qualidade das melhores indústrias do mundo. O design agregaria valor à joia e identificaria a marca.
Surgem cursos superiores e cursos preparatórios
Ligada às artes e com tempero antropológico, a joalheria, até os primeiros anos da década de 2000, teve seus cursos em nível superior atrelados aos cursos de moda.
Mas toda essa revolução que aconteceu no início dos anos 1990, após a abertura do mercado às importações, expôs a evidente necessidade de aperfeiçoamento das indústrias em geral e, em particular, as de joias, impulsionando a criação de cursos específicos para formar novos profissionais para tal fim.
Quando olhamos sua trajetória na história, a joalheria é uma arte, ligada à moda pelo status de adorno; mas, quando se fala de produção em série, ela é também um produto.
Cursos superiores de moda iniciaram-se já no final da década de 1980, também pela necessidade detectada de aperfeiçoamento no setor.
Em São Paulo, em 1990, a Faculdade Santa Marcelina (FASM) já disponibilizava um curso de graduação em Desenho de Moda, em cujo currículo havia a matéria “Acessórios”, que se resumia a modelar arames de cobre transformando-os em brincos e colares.
Na época, a coordenadora do curso de Desenho de Moda da FASM era a talentosa e competente Vera Ligia Gilbert, por intermédio de quem acabei participando de um avanço na área.
Explico: em 1989 fiz minha primeira exposição individual de joias no Brasil, “A Face Mística da Joia”, resultado de pesquisa de lendas sobre pedras preciosas. A exposição foi divulgada e gerou o convite da coordenadora Vera Ligia para uma palestra sobre a minha pesquisa e a coleção de joias. Tal palestra resultou em convite para ministrar a matéria “Acessórios”.
Devido à minha expertise ser exclusivamente em joalheria, propus uma mudança, e, em 1990, a matéria “Acessórios” transformou-se na disciplina “Joalheria”, com aprovação de ementa pelo MEC e passou a fazer parte dos currículos dos cursos de moda pelo Brasil.
Isso, de certa forma, uniu joalheria e moda, pois elas têm mesmo alguns pontos em comum: antropometria, tendência de comportamento, possibilidade de compor coleção. Mas para por aí, pois coleções de joias não são suplantadas por outras com a mesma rapidez que na moda: o valor intrínseco das matérias primas das joias não se compara com o daquelas da moda. E, o ponto principal: a joia costuma ter uma vertente íntima, emocional, sentimental; já a moda carrega mensagens eminentemente públicas.
Com o tempo fui notando como a joalheria é uma área peculiar do saber, que não pertence integralmente a outras áreas, mesmo usando de seus conhecimentos. Forçávamos esse espaço na moda.
“O que é joia?” sempre foi um debate entre designers e joalheiros. Por isso, convém repetir: a joia tem arte, uma pitada de moda e, se faz parte do mundo industrial, um pouquinho de produto.
Eliana Gola é autora do livro “A Joia: Historia e Design” (editora Senac em segunda edição) , Eliana Gola é formada em Artes Plásticas pela FAAP e também é especialista em Design Gráfico e mestre em Design – Desenvolvimento de Produto pela FAU – USP. Complementou seus estudos em Design de joias e joalheria no Istituto Lorenzo di Médici, em Florença, IT. Atualmente é professora na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, e também atua como Designer e Consultora.