Em entrevista à Exame, o vice-presidente da marca fala que o formato clássico dos relógios não impede a empresa centenária de dialogar com jovens consumidores
Nos últimos anos, as grifes de luxo de diversos segmentos têm focado em estratégias para dialogar com o consumidor jovem com o objetivo de perpetuar valor nas novas gerações e dar longevidade aos seus negócios. Porém, neste mar de homogeneidade de ações voltadas para os millennials e a GenZ, a Cartier se diferencia.
Em entrevista à Ivan Padilla do portal Exame, o vice-presidente sênior e Chief Marketing Officer da Cartier, Arnaud Carrez, afirmou que “Não há contradição entre ser clássico e contemporâneo. Nossas coleções são icônicas, universais e transgeracionais. Não temos obsessão por engajar clientes jovens, isso acontece naturalmente”.
Confira os principais trechos da conversa que aconteceu no final de março:
Exame: A Cartier é a segunda marca de relojoaria mais vendida do mundo, segundo levantamento independente feito pela consultoria Morgan Stanley. Só fica atrás da Rolex, marca suíça com muita força nesse mercado. O que explica esse sucesso?
Arnaud Carrez: Esse é o resultado de uma estratégia relevante e bem-sucedida estabelecida seis anos atrás. Naquele momento nós quisemos deixar mais clara nossa identidade, nossa imagem, em todas as coleções. Foi um trabalho de racionalizar nossa oferta de relógios e joias. Passamos também a trabalhar a comunicação de forma mais contemporânea, inovamos a linguagem da nossa rede de butiques. A Cartier é uma maison de joias criada em 1847. Logo depois passamos a ter relógios, com formas muito singulares. Tudo na Cartier começa no design, a técnica segue a forma. Não criamos movimentos de relógios e depois pensamos onde colocá-los. Queremos criar peças bonitas. A maioria de nossos concorrentes faz relógios em formatos redondos, e nós temos relógios quadrados. Tudo isso nos leva aos atuais bons resultados.
O que a Cartier tem de diferente em relação aos seus principais concorrentes?
No mercado de relógios, a maior parte de nossos concorrentes é especialista em relógios, são monomarcas. Nós somos a segunda maior marca em relógios suíços do mundo, mas também temos joalheria, fragrâncias, acessórios. A Cartier é hoje uma das maiores marcas de luxo do mundo, com o mesmo status de Hermès, Chanel, Louis Vuitton, Dior.
Mais especificamente, o que a Cartier tem de diferente em relação às marcas de luxo que também têm linhas de joias e relojoaria, como Bvlgari e Tiffany?
Somos o número 2 na relojoaria, estávamos na terceira posição há dois anos. Somos número 1 em joalheria e estamos distantes dos demais. Nós reforçamos a imagem da Cartier, temos um bom brand equity [valor adicional que uma marca agrega a um produto, temos desejabilidade, segundo analistas. Nos leilões nossas peças são vendidas a preços altos.
Quais são os principais meios de comunicação da Cartier, uma marca tão tradicional, associada a uma estética mais conservadora?
Somos uma espécie de espírito livre dentro da maison em termos de comunicação. Nossas campanhas são percebidas como contemporâneas. Não sei se você viu a campanha recente com os atores Catherine Deneuve e Remi Malek, dirigida por Guy Ritchie, em que a vida de Catherine é contada em períodos distintos, com ajuda de inteligência artificial. Foi uma surpresa para muita gente essa associação entre os dois atores, esse tributo ao tempo, ao relógio Tank. Nos últimos anos estendemos os territórios em termos de diversidade. Além de produtos e categorias, passamos a falar mais da nossa capacidade de manufatura, que cresceu muito nos últimos tempos. A Cartier também tem muitas ações filantrópicas, como a Cartier Women’s Initiative, premiação que busca impulsionar a mudança através da capacitação de mulheres empreendedoras com negócios de impacto social ou ambiental. Todos esses tópicos contribuem para a imagem da marca.
Quais são as principais formas de distribuição da marca no mundo, entre lojas próprias, revendedores e e-commerce? Que canais são mais importantes em termos de vendas?
Não falamos em porcentagem. Mas o que posso dizer é que as joias só são vendidas em butiques da Cartier. Relógios são distribuídos nas butiques e nos revendedores, e o e-commerce ganhou uma força significativa nos últimos anos em todas as categorias, inclusive em relógios. Mas não é surpresa dizer que a venda física é a parte mais importante do nosso negócio. A pandemia foi um período complexo para todos, mas ao mesmo tempo foi uma oportunidade de adaptação, de mudança de perspectiva, de mudar as formas de trabalhar. Tivemos de fazer ajustes, passamos a organizar eventos digitais para alta joalheria, algo inesperado. Mas no fim conseguimos passar por esse período de forma positiva, eu diria.
O que explica as boas vendas das marcas de luxo em geral, e especificamente da Cartier, durante a pandemia de covid-19?
Nesse período os clientes procuraram por confiança. Cartier tem essa imagem forte, essa herança. E acabou sendo uma marca de destino para muitos consumidores que procuravam por uma autoindulgência, por fazer um agrado a seus parentes amados. As linhas icônicas que eu citei foram muito procuradas, foram e ainda são consideradas símbolos de estilo, de conexão emocional. As pessoas procuraram por produtos de alto valor, mas com durabilidade, perpétuas.
Em que categorias, entre joalheria, relógios e acessórios, a Cartier enxerga maior potencial de crescimento nos próximos anos?
Enxergo muito potencial em muitas regiões. Temos nossos mercados tradicionais, como China, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio. Mas temos também mercados emergentes crescendo muito rapidamente, principalmente no Sudeste Asiático, países como Tailândia, Malásia, além de Austrália e Oceania em geral. A força da Cartier é o balanço entre a distribuição dos produtos, a presença da marca. Quando uma região sofre mais, temos a compensação de outros mercados. Em períodos de crise, como foi com a covid-19, saímos mais fortes do que antes.
Você não citou o Brasil como um exemplo de mercado emergente em crescimento. Qual é a importância do mercado brasileiro?
O Brasil é um dos principais mercados da América do Sul. Temos uma presença histórica no Brasil, em joalheria, relógios e acessórios, temos uma forte reputação no Brasil.
A Cartier tem esse design clássico, com algarismos romanos, formato quadrado. Como uma marca tão tradicional, fundada em 1847, consegue falar com as novas gerações?
Não há contradição entre ser clássico, elegante, e falar com novas gerações. Temos uma forte base de consumidores jovens no mundo todo, que cresceu significativamente nos últimos anos. Estamos falando de coleções icônicas, que são universais e transgeracionais, são aspiracionais para os consumidores do momento, para os jovens. Não temos obsessão por engajar clientes jovens, isso já está acontecendo naturalmente. Temos os produtos certos, nossa comunicação é assertiva e contemporânea, não fazemos coleções específicas pensando nos jovens.