Mais engajado e exigente, ele precisa estar no radar das empresas que querem sobreviver em um mundo mais digital
Por Renato Meirelles
Um dos principais feriados para o setor de chocolates, a Páscoa deste ano surpreendeu até os analistas mais pessimistas. Mesmo com o preço dos chocolates nas alturas, foram vários os relatos de lojas nas quais os ovos de páscoa esgotaram em São Paulo. O episódio ilustra bem a importância de entendermos o comportamento do consumidor no contexto pós-pandemia. Mesmo em um cenário em que a inflação assusta, algumas tendências do varejo mostram que é possível, sim, contornar situações desafiadoras e surfar na onda do consumo engajado e altamente digitalizado.
De olho neste desafio, listo aqui algumas tendências que o setor varejista deve levar em conta caso queira fisgar o consumidor brasileiro. A primeira delas é o engajamento das empresas, seja com valores de diversidade, seja com a sustentabilidade. E aqui estou falando de ações que, de fato, mostrem que as companhias não ficam só no discurso na hora de respeitar a população negra e LGBTQIA+ e de adotar práticas para, pelo menos, os impactos de sua atividade para o meio ambiente.
Para ficar no exemplo da Páscoa, uma semana antes do feriado a Lacta teve que cancelar sua campanha criada para as redes sociais. Bastou a imagem de um par de mãos brancas entregando um ovo da marca para um par de mãos negras com a frase “quem faz a decoração da Páscoa merece um presente de Páscoa” para a companhia ser atacada nas redes. Com os consumidores cada vez mais grudados nos celulares, atentos a tudo que se passa no rolar da tela, mesmo um filme de dez segundos como o da Lacta pode virar uma crise e uma acusação de racismo.
Se por um lado está mais engajado, e crítico, na hora de escolher uma marca, por outro o consumidor vidrado nas telas também abre uma gama de possibilidades. É aqui que entra o omnishare, expressão em inglês que representa a integração entre os diversos canais, virtuais e físicos, para se chegar ao consumidor. E-mails, anúncios em sites e redes sociais com chamada para sites da marca, tudo isso associado permite chegar ao consumidor de forma mais assertiva. Não basta mais ter uma loja em um ponto bem localizado, na economia do século XXI é preciso estar em vários canais ao mesmo tempo.
Associado a isso, as marcas precisam pensar no chamado CRM, abreviação para Customer, Relationship Manager (gerenciamento de relacionamento com o cliente, em tradução livre). Diferente de outros meios, na internet e nas redes sociais é possível mapear de variadas formas a reação e os gostos dos consumidores em tempo real. Com a presença em diferentes plataformas virtuais, associada a uma boa gestão do histórico de compras do consumidor, é possível potencializar determinado anúncio de produto ou serviço, “acertando” a hora na qual o consumidor estará mais propenso a comprar.
Pode até parecer ficção científica, mas, no fundo, são estratégias que exploram o atual momento em que vivemos, com as potencialidades dos algoritmos das redes sociais somados aos modernos aparelhos de celular, smartwatches e smartvs. Capazes de monitorar e registrar cada passo, clique ou rolar de tela, estes equipamentos mudaram a forma de consumir. Basta lembrar quantas vezes uma imagem de uma comida que você gosta ou produto que você estava pensando em comprar brotou na sua timeline por “coincidência”. Quem não estiver atento a isso vai sair perdendo.
Os avanços não param por aí. Em breve será possível ir às compras com óculos de realidade virtual para, sem sair de casa, a pessoa se sentir como se estivesse em uma loja, ou mesmo poder comprar o produto simplesmente por ter aparecido na cena de sua série favorita. Isso sem falar na inteligência artificial que, em breve, poderá estar atendendo e mesmo ajudando a sugerir determinado produto ou serviço para o cliente.
Entender o consumidor do século XXI exige se inteirar dessas tecnologias e potencialidades, mas sempre tendo em mente os valores que são essenciais para quem compra e que, muitas vezes, independem de preço. A Páscoa mostrou que a disposição para consumir está presente nos brasileiros. Que as marcas saibam usar isso sem abrir mão da responsabilidade com o consumidor, que não tolera mais ser enganado.
*Renato Meirelles é presidente do Instituto Locomotiva e membro do Conselho de Professores do IBMEC. Artigo para Veja.