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Por que a moda de luxo está investindo em hotéis, clube do livro e sorveteria?

Por que a moda de luxo está investindo em hotéis, clube do livro e sorveteria?

Por que a moda de luxo está investindo em hotéis, clube do livro e sorveteria?

Após a pandemia, grifes como Chanel, Dior e Louis Vuitton encontraram nas experiências imersivas de bem-estar uma maneira de contornar a crise e se manterem presente na rotina dos clientes

Fonte Montagem GShow

Por Francielly Kodama*

Um livro da Chanel, um spa da Dior, um hotel da Versace, uma gelateria da Louis Vuitton: em tempos de instabilidade econômica e saturação de mercado, o luxo está se reinventando… E não, necessariamente, sobre uma passarela.

Em vez de mirar exclusivamente nos produtos de alto valor, as grandes maisons estão apostando em novos territórios no bem-estar e experiências imersivas, tudo que não cabe em uma sacola bonita, mas fica guardada na memória.

Segundo o relatório publicado em 2024 pelo “Business of Fashion”, a indústria global do luxo enfrenta um momento de desaceleração e precisa investir em novas formas de engajar seus clientes, que estão cada vez mais interessados em experiências e menos em bens materiais: “O antigo manual está agora obsoleto. A indústria precisará de uma nova fórmula para diferenciação e crescimento”.

Um luxo mais simbólico e sensorial

Para Henri Barb, criadora de conteúdo e especialista em mercado de moda, essa mudança responde diretamente a uma crise interna do setor desde o fim da pandemia. “Nesse período, a gente teve a questão de experiências muito limitadas, ficamos presos em casa, houve um gasto excessivo com produtos. O que se tinha para fazer era ficar na internet comprando, e a marca de luxo também cresceu bastante, foi um grande boom. Além disso, de 2019 a 2025, o preço do produto de luxo cresceu em 61%. E aí o que aconteceu? A pandemia foi chegando ao fim e abriram-se novamente as experiências, enquanto o item de luxo ficou um pouco de lado. Mas esse aumento [de valor] permaneceu porque, uma vez que o luxo aumenta, seus preços não têm como regredir. E isso criou uma grande crise”, contextualiza.

Para não perder essa clientela, continuar gerando engajamento, driblar críticas quanto à queda na qualidade dos itens e, de quebra, atrair novos consumidores, as marcas decidiram expandir seu universo e “cercar” o público das maneiras mais atraentes possível. O resultado, além do retorno financeiro, é que esta é uma forma de oferecer um “produto” que não pode ser falsificado.

“A Hermés é um grande case inabalável, de um retorno financeiro constante e que não está investido tanto neste momento em experiência como as outras marcas porque é muito consolidada no produto. Um produto que parte da exclusividade, qualidade e escassez, que é tudo que eu estou falando que as outras não conseguiram”.

A Dior, por exemplo, transformou o bem-estar em estratégia de marca ao promover uma imersão no hotel Four Seasons da Ilha de Capri, na Itália, com trilhas de mindfulness, gastronomia exclusiva e hospedagem de altíssimo padrão – pelo montante de 26 mil euros.

Já a Louis Vuitton lançou um espaço que mistura café e exposição em Shangai, na China, e uma gelateria temporária em Toscana, na Itália, ativando o desejo pelo pertencimento com um produto efêmero, porém instagramável.

“É finito, porque você precisa repetir. Isso gera compartilhamento, que gera uma necessidade de pertencimento. É um produto perecível, que você consome e acaba, e depois precisa repetir essa experiência… Não é como uma bolsa que fica 10 ou 15 anos no seu armário”, explica Henri.

Mas estas não são as únicas etiquetas que estão, com o perdão do trocadilho, tirando uma casquinha dessa tendência, que atende desde o consumidor aspiracional – aquele que pode comprar apenas um cosmético ou um sorvete – até o cliente VIC (very important client), alvo de experiências personalizadas e luxuosas.

“É uma forma de tanto fortalecer a marca, como gerar uma experiência que não é produto, que não pode ser copiada”, resume Henri.

Estratégia de marca (e de negócio)

Thais Possobom, estrategista de marcas, destaca que há, sim, uma lógica de diversificação de receita por trás dessas movimentações, mas não apenas isso.

“Nessas empresas, o luxo em si tem como um dos principais ativos o valor simbólico. Para você criar um valor simbólico para uma marca, você precisa estar presente na vida das pessoas […] São outras formas de trazer experiências com a marca”, pontua Thais Possobom

Mesmo o mais breve contato com a marca, como tomar um café na Saint Laurent, apreciar o cardápio do restaurante da Ferrari ou participar do clube do livro da Chanel e Miu Miu, contribui para o que Thais chama de “senso comum de potência”: “Consumir a marca e fazer dela uma marca potente e conhecida é importante para que isso chegue realmente a mais pessoas. É muito mais sobre a marca ter essa capilaridade, do que sobre a conversão imediata em vendas de produtos principais”.

As experiências também se tornaram uma maneira mais eficaz de fidelizar o cliente, especialmente em tempos de incerteza econômica. “Quem tem esse patamar de comprar o luxo prefere investir em experiências e menos em produtos. Tudo que está mais atrelado a essa necessidade de experiências mais humanas acaba sendo favorecido”, completa a estrategista.

Assim como a Hermés, Thais cita o caso da The Row, grife das irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen e que levam à risca o conceito de quiet luxury: em seus desfiles, por exemplo, é vetado o uso de celular ou qualquer dispositivo para registro de imagem.

‘É uma marca que dificilmente faria esse tipo de diversificação de negócios, porque é mais destinada a um público fechado, aquele ‘if you know, you know’ (se você sabe, você sabe). Para eles, é mais importante estar fechado dentro de um pequeno grupo e aquilo ali ser parte do que eles têm de ativo, de poder de marca diferencial. Mas, para essas marcas de luxo que são maiores e ainda assim necessitam de uma expansão, elas precisam ser conhecidas por mais pessoas, inclusive aquelas que não podem comprar o produto principal”, destaca Thais Possobom.

O futuro do luxo (e do Brasil)

O relatório do “Business of Fashion” também prevê que o crescimento da indústria de moda será modesto até 2027, com previsão de apenas 2% a 4% ao ano. Nesse cenário, experiências se tornam formas valiosas para fortalecer a marca sem necessariamente depender de um produto físico, como uma bolsa, roupa ou cosmético.

“O produto de luxo jamais vai ser esquecido, mas o caminho da salvação é essa reconexão”, pontua Henri.

No Brasil, ainda são raros os exemplos locais com esse tipo de abordagem, mas há movimentações promissoras.

“O Ronaldo Fraga, por exemplo, já faz esse tipo de ativação com o seu Grande Hotel, em Minas Gerais. É algo que traz a narrativa da marca com espaço físico, gastronomia, multimarcas”.

Grande Hotel Ronaldo Fraga, em Minas Gerais — Foto: Reprodução/Instagram

Thais acredita que o luxo nacional tende a caminhar por outra via, mais conectada à cultura e à natureza. Para ela, marcas que apostarem em criatividade, saberes ancestrais e regeneração ecológica terão mais chances de construir um verdadeiro diferencial competitivo. “A gente vai ter cada vez mais a vontade de estar próximo aos bens naturais […] o que vai ser mais luxuoso é aquilo que a gente tem de mais natural”, prevê.

Seja em um lounge da Louis Vuitton em um aeroporto do Catar, uma noite em Capri com o requinte da Dior ou uma visita à nova galeria de arte da Acne Studios, o luxo do presente se reinventa na vivência. E em tempos em que exclusividade pode ser falsificada com os famosos dupes, as grifes estão apostando que o verdadeiro desejo esteja em sentir, e não apenas possuir.

* Francielly Kodama pra GShow

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