Iniciativa ainda é pontual. Grupo DPSP, de farmácias, e H&M, de moda, estão trabalhando com essa jornada para seus funcionários de loja

No varejo brasileiro, a escala 6×1 é bastante usual. É aquela na qual o profissional trabalha seis dias na semana e tem um dia de descanso. No entanto, o modelo vem sendo alvo de críticas e há, inclusive, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/25), de autoria da deputada Erika Hilton, que prevê o seu fim. Apresentada em fevereiro deste ano, ainda não avançou muito, como explica o professor do Insper e procurador do trabalho Renan Kalil.
“Não houve grandes avanços no Congresso”, diz. “Contudo, recentemente foi criada uma subcomissão para debater o tema, sob a presidência da deputada Érika Hilton. No final de agosto, a subcomissão definiu o plano de trabalho, que buscará analisar os seguintes temas: estudar os impactos econômicos da PEC 8/2025; analisar os projetos correlatos à proposta; realizar audiências públicas em diferentes regiões do país; dialogar com os setores afetados e sugerir projetos de lei relacionados ao tema”.
Muito se fala da inviabilidade da redução de jornada proposta, por questões econômicas e de produtividade, mas na visão de Kalil é algo “plenamente factível”. “Tanto do ponto de vista econômico como da produtividade”, afirma, citando que inúmeros países possuem limites de jornada de trabalho semanais menores do que o Brasil: França (35h), Estados Unidos, Canadá e Itália (40h). A Espanha está debatendo a redução da jornada de 40h para 37,5h semanais. Chile e México estão em processos de transição para jornadas de 40h semanais. “A experiência mundial mostra que essa medida é totalmente viável”.
No Brasil, a jornada semanal é de 44 horas
Kalil menciona, ainda, empresas que realizaram experiências de reduzir a jornada para quatro dias na semana e estão relatando “consequências interessantes”.
“A 4-Day-Week promoveu um projeto piloto com 19 empresas brasileiras que adotaram essa modalidade de jornada”, lembra. “Os resultados foram positivos: o engajamento dos trabalhadores aumentou 60% e a colaboração, 85,4%; 82,4% dos empregados afirmaram ter mais energia para realizar tarefas e 65% disseram que houve uma redução significativa na exaustão; em relação às empresas, 61,5% apontaram melhoria na execução de projetos, 44,4% mais capacidade de cumprir prazos e 83,3% relataram melhorias nos processos internos; 72% das empresas afirmaram que houve aumento na receita, indicando o potencial do equilíbrio entre bem-estar e desempenho”.
O professor cita também o recém-lançado livro da professora Juliet Schor “Four Days a Week: The Life-Changing Solution for Reducing Employee Stress, Improving Well-Being, and Working Smarter”. “Nessa obra, Schor relata o acompanhamento realizado com empresas que reduziram a jornada de seus empregados para quatro dias por semana. Ela aponta o resultado da sua pesquisa apresenta dois principais achados: uma massiva melhoria do bem-estar dos trabalhadores, com redução de burnout, mais emoções positivas, melhor saúde física e mental e um avanço no equilíbrio trabalho-família e trabalho-vida; as empresas estão achando os resultados ótimos na medida em que identificam um aumento da sua produtividade e eficiência, além de reduzir a rotatividade no trabalho”.
Adoção da escala 5×2 no varejo
Desde agosto, o Grupo DPSP, das drogarias Pacheco e São Paulo, adotou a escala de trabalho 5×2 em todas as suas unidades, com exceção das lojas que não possuem expediente aos domingos. Nesse formato, o profissional trabalha cinco dias na semana e descansa dois dias. Marcos Colares, CEO do Grupo DPSP, explica que o projeto da implantação da escala 5×2 visa trazer mais bem-estar e qualidade de vida para o trabalhador. Antes disso, os funcionários da empresa atuavam na escala 6×1.
“A escala adotada pelo varejo farmacêutico sempre foi a de 6×1 e há anos estudávamos a mudança da escala, visando trazer mais qualidade de vida e bem-estar aos colaboradores”, comenta Colares. Ele explica ainda que os funcionários do grupo foram contratados em regime CLT para atuação de 44 horas semanais, e a mesma quantidade de horas se mantém com a nova escala.
Atualmente, o Grupo DPSP tem mais de 30 mil empregados, divididos entre administrativo, lojas e centro de distribuição. Cerca de 24 mil foram impactados pela mudança de escala.
Recém-chegada ao Brasil, a multinacional sueca de moda H&M adotou no país a escala 5×2 – ainda que seja mais comum em seu setor o formato 6×1. Joaquim Pereira, country manager da H&M Brasil, explica que a escala 5×2 já é um padrão em diversos mercados onde a empresa atua. “Acreditamos que ela [a escala 5×2] contribui para um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional, além de gerar engajamento e retenção de talentos”, afirma. “Decidimos trazer essa prática também para o Brasil, como parte do nosso compromisso em ser um empregador responsável e inovador”.
A escala 5×2 se aplica a todos os funcionários da H&M no Brasil, tanto nas lojas quanto no escritório e no centro de distribuição. “Esse formato foi pensado para garantir qualidade de vida, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e proporcionar a melhor experiência de trabalho possível na H&M Brasil”.
Quando questionado sobre possíveis aumentos de custo com a escala 5×2 – na comparação com a escala 6×1 -, Pereira diz ver esse modelo (5×2) como um investimento no bem-estar e na qualidade de vida do trabalhador. “Acreditamos que os ganhos em engajamento, satisfação e produtividade se traduzem em um retorno positivo tanto para a equipe quanto para a experiência dos clientes”, afirma. “Para isso, fazemos os ajustes necessários de planejamento, assegurando que nossas lojas estejam sempre bem atendidas”.
Até o fim do ano, a H&M espera contar com 450 funcionários no Brasil. A empresa anunciou a abertura de quatro lojas no país em 2025, sendo que duas já estão em operação em São Paulo, além do e-commerce, que atende o Brasil todo.
Kalil explica que a introdução do debate da redução da jornada de trabalho, a partir da pauta do fim da escala 6×1 articulada pelo vereador Rick Azevedo e pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), foi “central para dar concretude a uma demanda real e que afeta o cotidiano de milhares de trabalhadores”.
“Esse tema ganhou um amplo apoio popular de forma orgânica porque se gasta muito tempo com questões relacionadas ao trabalho no Brasil, seja executando a tarefa para a qual o trabalhador foi contratado por muitas horas, seja se deslocando para o trabalho em trajetos demasiadamente extensos e por muito tempo”,detalha. “Atualmente, muito se fala da liberdade que o trabalhador quer ter ao desenvolver a sua atividade profissional, mas pouco se fala da demanda de exercer essa liberdade para além do trabalho: ter tempo de ficar em família, de cultivar seus hobbies, de professar a sua religião, de praticar esportes, dentre uma série de outras atividades possíveis. A demanda do fim da escala 6×1 é popular por causa disso: o trabalhador quer ter tempo de fazer outras coisas que não o trabalho.”
Fonte: Flávio Obino Fº Advogados Associados, com informações de Valor Econômico

