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“Comprei mais de vinte Rolex”: colecionadores de relógios dividem suas histórias

“Comprei mais de vinte Rolex”: colecionadores de relógios dividem suas histórias

“Comprei mais de vinte Rolex”: colecionadores de relógios dividem suas histórias

O aquecimento do mercado de alta-relojoaria reforça o interesse de fãs, que sabem tudo do universo de marcas como Rolex, Panerai e IWC e chegam a gastar milhões de reais em peças especiais

Por Carolina Giovanelli *

O interesse crescente por relógios de luxo se justifica também por um aquecimento do mercado — Foto: Carlos Bessa
O interesse crescente por relógios de luxo se justifica também por um aquecimento do mercado — Foto: Carlos Bessa

Quando tinha por volta de nove anos de idade, o paulistano S.O. foi levado pela mãe ao cinema para assistir ao filme Daylight (1996). O longa de ação trazia como pro- tagonista o ator americano Sylvester Stallone, que, em diversas cenas, ostentava no pulso um relógio Panerai Luminor. A produção colocou os holofotes na Panerai, companhia italiana centenária conhecida pelos aparelhos grandões, e incentivou sua venda no ano seguinte ao poderoso grupo Richemont, dono de CartierMontblanc e por aí vai.

O acessório de robustos 44 milímetros de diâmetro impulsionou uma moda que durou por décadas, a de peças masculinas avantajadas. Ali, começaram a pipocar os aficionados da grife — Stallone, inclusive, se tornou um grande admirador e presenteava os amigos com artigos (ele leiloou o Luminor original por US$ 214 mil em 2020). Fãs passaram a se juntar em coletivos como o Paneristi, e eles acompanham os lançamentos e sabem os mínimos detalhes da história da firma.

S.O., hoje com 36 anos, foi um dos que saíram do cinema impactados pelo Luminor. “Aquilo ficou na minha cabeça”, lembra. Muito tempo depois, em 2004, passava férias em Los Angeles quando cruzou com uma butique da Panerai. Convenceu a mãe, que o visitava, a presenteá-lo com um relógio da loja, dos mais simples. Ali se iniciava a coleção de alta-joalheria do economista, que atualmente reúne 23 aparelhos, quinze deles da Panerai e outros de nomes como Audemars Piguet. “Conforme você entra nesse mundo, não consegue sair”, atesta. “Depois de uma visita à fábrica da Panerai na Suíça, em 2018, comecei a comprar um atrás do outro. Antes tinha só dois”, conta ele, que não os revende, atividade que pode se mostrar bem lucrativa em tempos de boom da alta-relojoaria. No portfólio particular, há três turbilhões, uma complicação mais refinada e cara. Cada um vale por volta de impressionantes R$ 700 mil. “Trabalho bastante, não viajo muito, não possuo outros luxos. Tenho um carro que é o Corolla do ano, blindado, porque já fui sequestrado. É do que gosto. Em vez de ter um Porsche Turbo, tenho um Panerai turbilhão, algo que meus filhos usarão e ficará para sempre.”

A questão da herança de geração para geração se mostra importante no ramo. O apresentador João Silva, 20, aprendeu a gostar de relógios com o pai, Faustão, conhecido por uma coleção multimilionária com exemplares de Audemars Piguet, Hublot, Roger Dubuis… “Desde muito cedo, acompanhei essa paixão dele”, conta João, que possui cerca de vinte relógios. “Minha marcas favoritas: Vacheron Constan- tin, Patek Philippe e Roger Dubuis. São peças com muita história, fabricadas na Suíça, onde já morei. Então, tenho um carinho especial.” E falta algum para o portfólio? “Queria muito um Patek Tiffany, um sonho”, fala, em referência ao Tiffany Blue Nautilus 5711 da Patek, um “unicórnio” que bateu US$ 6,5 milhões em um leilão.

O interesse crescente por relógios de luxo se justifica também pelo aquecimento do mercado. A área foi avaliada em US$ 40,7 bilhões em 2022 pela Spherical Insights & Consulting, e espera-se que atinja US$ 63,6 bilhões até 2032. A Rolex, principal companhia desse universo, atingiu o recorde de US$ 11,5 bilhões em vendas em 2023, mais do que seus cinco maiores competidores combinados, segundo a Morgan Stanley. O mercado de segunda mão de luxo também se vê em um momento excepcional. De acordo com Polaris Markets Research, a área de usados valia US$ 11,94 bilhões em 2023 e deve gerar receita de US$ 32,05 bilhões em 2032.

Nesse cenário, as marcas apostam em lançamento atrás de lançamento, ao mesmo tempo em que a informação e o desejo se espalham em relação aos tesouros antigos. Com tantas opções disponíveis, os fãs abrem a carteira para rechear sua coleção. É o caso do advogado paulistano S.M., 41, que já ultrapassou o gasto de R$ 2 milhões no hobby. Quando ganhou seu primeiro processo, há cerca de dezesseis anos, comemorou com um Rolex Submariner, pelo qual pagou R$ 18 mil. “Desde então, comprei mais de vinte Rolex, todos na Frattina (uma das principais revendedoras de relógios de luxo no Brasil)”, conta ele, que hoje traz dezesseis relógios da grife (acabou revendendo os outros), dois Panerais, dois IWCs e uma dupla de Cartier (um deles de mesa). Para seu casamento, adquiriu um Milgauss. Para o batizado da filha, um Deepsea. Quando seu pai faleceu, achou esquecido em uma gaveta um Rolex de corda de seu avô, de 1920, entre suas peças mais especiais.

Trata-se de um passatempo, entretanto, limitado, por assim dizer. Não dá para sair por aí exibindo sua compra com tranquilidade, já que as peças são altamente visadas por ladrões (os nomes desta reportagem, inclusive, foram ocultados por questões de segurança). “Coloco para ir a shopping fechado e festa de casamento, só. Às vezes, sigo de carro blindado da minha casa para o escritório e volto. Em outros países, mas nem todos, também consigo usar”, conta S.M. 

O empresário M.V., 53, possui na faixa de trinta relógios, de marcas como Jaeger-LeCoultre, Omega, Rolex e Panerai. Em São Paulo, nos anos 90, virou gerente de um hotel da família. Um cliente deixou um Rolex Submariner como caução, até quitar a conta, um mês depois. Durante esse tempo, V. aproveitou o aparelho. “Minha avó viu que fiquei triste quando precisei devolver e me presenteou com um”, recorda. Aí começou sua jornada relojoeira. “Esse tipo de produto cria um posicionamento social. Quem nos olha com aquilo passa a imaginar: ‘Quem é aquela pessoa?’.”

Ele já viu, por exemplo, seu Rolex Daytona Zenith passar de R$ 50 mil, pagos em um leilão em 2012, para R$ 300 mil, valor de mercado hoje. “Garimpo modelos que sei que reterão valor.” Ele cultiva um grupo de WhatsApp, chamado Blue Chips [as ações com grande liquidez na Bolsa], para trocar informações com outros aficionados. “Colecionismo não morre na peça em si”, afirma. “Em água parada não tem peixe vivo. A ideia é conhecer pessoas.”

@iwcgirl

As comunidades da área se mostram bastante dedicadas. Uma delas é comandada por Déborah Maldonado, 38. Na internet, ela é conhecida como @iwcgirl, perfil com mais de 50 mil seguidores, interessados em ver os detalhes das peças da marca suíça IWC Schaffhausen que publica por lá. Ela trabalhou sete anos com moda e, em 2012, virou vendedora da antiga butique da IWC no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo. “Mandava fotos para os clientes por WhatsApp. Ia no terraço para pegar a luz natural, por exemplo. Um deles me sugeriu montar uma página no Instagram”, conta. “Não havia muitas mulheres postando relógios masculinos.”

Em 2019, partiu para o escritório e hoje atende o atacado, o e-commerce e a butique da IWC no Shopping Iguatemi. “Quando completei 30 anos, comprei um Cartier. Depois, um IWC Pilot”, conta. Ela aproveita as oportunidades para quem trabalha no grupo Richemont e usa peças em sistema de consignação. “Minhas amigas que adoram bolsas ficam surpresas. Sou uma watch geek. Gosto de ler sobre o tema, assino newsletters… Quando saem os lançamentos, fico emocionada, piro nos modelos.”

*Carolina Giovanelli para GQ Estilo

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