Pulso para quê? Ver as horas nos ponteiros, hoje, é o que menos interessa
Por Simone Blanes
Mesmo com tantas inovações, de diamantes de laboratório a impressão 3D, apresentadas pelos fabricantes de relógios na mais reputada feira do setor, realizada em Genebra, na Suíça, a grande novidade foi uma tendência mais simples, quase singela: a relojoaria fora do pulso. Fazia tempo que eles não saíam dali. O acessório deixou as correntes fixadas nos coletes para ser afivelado aos braços no início do século XX. Primeiro, durante a I Guerra (1914-1918), para facilitar a vida dos soldados, obrigados a conferir as horas a todo momento. E, depois, pelas mãos do pai da aviação, o brasileiro Santos Dumont, que encomendou ao joalheiro francês Louis Cartier um modelo que ficasse fixo no pulso enquanto estivesse no comando do manche de suas criações que saíam do chão. Na era do smartphone, no entanto, quando é possível ver as horas sem dificuldade, o conceito de funcionalidade perdeu a relevância — em alguns casos basta ser insólito.
Não surpreende, portanto, que os ponteiros comecem a ganhar outras vitrines além dos braços. Eles estão aparecendo dentro de anéis, pingentes, broches e até cadeados. A Dior investiu em relógios feitos como colares no estilo medalhão, com uma pegada anos 1970, que acena para as formas de pedras brutas, do lápis-lazúli ao ônix. Criados por Victoire de Castellane, diretora artística de joalheria da maison, custam a partir de 22.600 euros e são os protagonistas da coleção de alta relojoaria. Na última campanha da marca, a modelo Cara Delevingne apareceu com uma versão que se destaca no visual clean da peça publicitária. O relógio de pingente aparece ainda em forma de cadeado na coleção da Hermès e em estilo amuleto em peças da Bulgari.
A Chanel foi mais engenhosa. Além de criar três modelos de colares com relógios, a sofisticada casa francesa avançou no novo conceito e encaixou o acessório em um anel. Chamada Hors-Série Mademoiselle Privé Bouton, a joia é inspirada em botões da marca e é enfeitada com pérolas.
A Van Cleef & Arpels, por sua vez, apostou em um relógio dentro de um broche, que também pode ser usado como pingente. Os ponteiros estão estrategicamente colocados atrás de cúpulas de lápis-lazúli, crisoprásio e coral, decorados com diamantes e pedras preciosas coloridas.
Os modelos com jeitão de antigamente, refinadíssimos como diamantes raros, muitas vezes adornados por motivos clássicos, parecem entregar uma mensagem: o casamento da tecnologia de ponta, que os faz cada vez mais minúsculos, com a perenidade. É o futuro e o passado de mãos dadas, em parceria perfeita com objetos que medem o tempo.
É movimento estético que tem se repetido na moda como os pêndulos de um modelo cuco, em eterno vaivém. Vale o bonito aforismo de Mario Quintana (1906-1944): “A eternidade é um relógio sem ponteiros”.
Matéria publicada na edição nº 2802 de 17 de agosto de 2022 da VEJA.