Após dois anos de domínio do luxo silencioso e de uma pasteurização em como nos vestimos, a moda clama por mais emoção e autenticidade
Por Vívian Sotocórno*
“Estou tão cansado de todo mundo igualar modernidade com simplicidade: o novo não pode também ser trabalhado, barroco, extravagante? Nossa fixação no que parece ou é sentido como moderno se tornou uma limitação? Isso nos custou nossa imaginação?”, escreveu Daniel Roseberry aos convidados do desfile de alta-costura da Schiaparelli, em janeiro, refletindo sobre a recente obsessão pela estética mais limpa e em clima quiet luxury. Apresentando uma coleção de criações esculturais, na qual rigor e fantasia se encontravam, ele seria apenas o primeiro estilista da semana a buscar uma moda mais exuberante e escapista, espírito que também se fez presente nas apresentações de marcas como Valentino, Jean Paul Gaultier e Dior.
Dois anos atrás, em um mundo pós-pandêmico, com uma guerra que se iniciava e discussões sobre deixar os excessos de lado, o quiet luxury emergiu como a tendência que representava essa busca pelo que era necessário de fato, uma valorização do essencial. De lá para cá, no entanto, ela gerou uma homogeneização do estilo. Na passarela, mesmo marcas que não carregam uma dose de minimalismo em seu DNA têm apresentado coleções à la The Row, enquanto, na plateia, a alfaiataria sóbria de corte contemporâneo se tornou uma espécie de uniforme.
Enquanto tal estética dá sinais de cansaço, surge um apetite por algo que empolgue, pareça original. Não à toa, o desfile de alta-costura para o verão 2024 da Maison Margiela, última coleção de John Galliano à frente da marca, realizado em janeiro de 2024, ressoou ao longo dos 11 meses seguintes e seguiu inabalável como coleção mais comentada do ano, com sua alma dramática e performática. Consumidos pelo excesso de estímulos, imagens e coleções, muitas vezes semelhantes entre si, nos sentimos meio que anestesiados e estamos todos famintos por um pouco de emoção criativa.
Criar sua própria identidade é um processo lento e íntimo, que leva em conta desde estilo de vida até nossas referências culturais. “O risco de sempre seguir modismos é o esvaziamento de si mesma. Construir um estilo próprio é, acima de tudo, um exercício de autoconhecimento – um caminho para refletir sobre quem se é. Os modismos, por outro lado, funcionam como caixinhas engessadas de pertencimento. Você acaba gastando tempo e recursos tentando se encaixar nessas fórmulas, se adequar ao olhar do outro, sobrando pouco espaço para olhar para dentro e se perguntar: o que essas escolhas dizem sobre quem eu sou?”, diz a joalheira Paola Vilas, uma das seis amigas da Vogue a ilustrar esta matéria – mulheres que sempre foram fiéis ao próprio estilo e mostram aqui como não pode haver nada mais original do que identidade própria.

“Sem contar a ansiedade. O sistema é desenhado para manter as pessoas inquietas, coma sensação de que sempre falta algo. Mas estilo é muito mais do que consumo. É sobre a forma como alguém se coloca no mundo, a maneira como absorve a vida e se movimenta por ela. No fim, uma pessoa por inteiro engrandece um look muito mais do que um look tem o poder de engrandecer uma pessoa”, complementa.
“Padronizar não é o caminho para a originalidade. Eu ainda acredito nas potências individuais, no autoconhecimento, você ser você mesmo 100%. Não há modismo que, por si só, possa criar autenticidade. Originalidade vem de uma confiança em si”, diz a cantora Xenia França.
Tenniscore, balletcore, brazilcore… Os últimos anos também foram marcados por microtendências ascendendo no ritmo do TikTok, cada “core” viralizado replicado à exaustão, causando uma verdadeira fadiga algorítmica. Tal pluralidade pode ser válida quando pensamos na democratização da informação e das conversas, com pequenos grupos tendo também o poder de ditar tendências, espaço que antes era ocupado apenas pelas passarelas de grandes marcas. No entanto, quando tais tendências passam a ser interpretadas pelo público geral como extremamente descartáveis, ao invés de servirem como uma ideia que perdura por certo tempo e pode ser aproveitada dentro de um guarda-roupa caso faça sentido, é hora de algo ser revisto. Em ritmo desenfreado, esses modismos têm se sobreposto à importância que deveria ser dada ao estilo pessoal e à construção de uma identidade. “Consome-se muita imagem, muito tempo de tela… Você passa a querer ter aquele tênis, aquela identidade. Trocar o guarda-roupa inteiro. Não que a roupa em si não seja importante, mas o mais importante é o quanto aquilo conta uma história sobre você”, como disse a stylist sênior da Vogue, Zazá Pecego, em uma discussão sobre construção de identidade com o stylist Felipe Veloso, para a seção Diálogos da Vogue de fevereiro.
Identidade firmíssima é também um dos segredos de uma das marcas que seguem crescendo mesmo em meio ao atual cenário de desaceleração do mercado de luxo. Ao longo de 2024, a Hermès viu suas vendas subirem 15%, enquanto ainda anuncia planos de se lançar oficialmente no segmento de alta-costura ao longo de 2026/27. Apostar todas as fichas no zeitgeist já trouxe crescimento exponencial a marcas que acertaram em cheio no desejo específico daquele momento, mas traz consigo vulnerabilidade: quando a tendência passa, ao que seus consumidores irão se agarrar se a marca investiu apenas isso?
Junto a um cenário de incerteza econômica e política global, 2025 será marcado por um número sem precedentes de estreias de novos diretores criativos à frente de grandes casas de moda, que incluem Chanel, Givenchy, Celine, Bottega Veneta e Tom Ford. Se, na última década, a tendência no mercado de luxo era contratar o “número 2” (os diretores de estúdio que se encontram logo abaixo dos diretores criativos, talentos desconhecidos do grande público, mas com longa experiência nos bastidores), essa nova dança das cadeiras marca o retorno da escalação dos estilistas-estrela, como Alessandro Michele (Valentino) e Matthieu Blazy (Chanel). Até a Tom Ford apelou para um veterano (Haider Ackermann), após uma passagem de bastão morna para um talento interno, enquanto nomes como Pierpaolo Piccioli (vindo da Valentino), Hedi Slimane (da Celine) e John Galliano (da Maison Margiela) seguem comentados para cargos em aberto.
Esses escalados tão seniores trazem consigo experiência comprovada – e a expectativa de que apresentem uma moda de impacto, capaz de emocionar e causar desejo (e, por consequência, vendas). Matthieu Blazy exibe sua primeira coleção para a Chanel em outubro, após um período em clima de entressafra comandado por Virginie Viard. Pós-Sabato de Sarno, que propôs uma versão quiet luxury da Gucci, a marca deve recorrer a uma imagem mais forte para tentar regressar aos padrões de crescimento instituídos por Alessandro Michele. Na Dior, além da vaga em aberto para a direção da linha masculina (da qual Kim Jones se despediu em janeiro), rumores dão conta de que um outro grande nome poderá substituir Maria Grazia Chiuri. Trata-se de três das maiores marcas de luxo do mundo apresentando novos rumos criativos – um potencial imenso de impactarem toda a indústria da moda.
“Uma quantidade inédita de novos designers tem a oportunidade de mudar mais uma vez a maneira como nos vestimos. Eles devem ousar e aproveitar essa chance. É hora de uma revolução na moda”, escreveu a crítica de moda Vanessa Friedman em um artigo no The New York Times. Ao falar em revolução, ela se refere ao tipo causado por Coco Chanel e a libertação que trouxe ao guarda-roupa feminino, Christian Dior e seu New Look pós-guerra, Yves Saint Laurent e o empoderamento que carregou seu smoking feminino e Rei Kawakubo e sua desconstrução que celebrava a beleza da imperfeição. “Esses designs horrorizaram e emocionaram em igual medida. Enfrentaram o desafio de um mundo em transformação. Do caos surgiu a criatividade. É onde estamos agora: em um ponto de inflexão em massa quando a ordem mundial está em fluxo, os costumes sociais estão mudando, a era da inteligência artificial está surgindo e não está claro como tudo será resolvido”, completa Friedman. Os primeiros 25 anos do século 21 foram marcados pela ascensão do streetwear e do athleisure e culminaram no resgate do quiet luxury. Tal ciclo está prestes a se encerrar e há um apetite voraz por algo que possa redefinir como nos vestimos. Que 2025 traga consigo fortes emoções.
*Vívian Sotocórno para Vogue