Clientes LGBTQ buscam ‘o oposto do que um diamante deveria representar’
De acordo com o/a designer de joias Lori Linkous Devine, os diamantes “salt and pepper” [acinzentados] costumavam ser difíceis de vender. “No passado, eles eram os diamantes rejeitados”, disse Devine, que usa um termo de gênero neutro como título de cortesia. A cor cinza das pedras e sua opacidade eram vistas como falhas.
Devine, que vive em Seattle, faz joias para ‘todos os gêneros e identidades de gênero’ desde 2010. Em 2016, ele/a começou a anunciar os produtos da empresa que fundou, a Lolide, especificamente para clientes LGBTQ. “Foi depois que Trump foi eleito e eu tive um colapso completo”, disse Devine. “Comecei a pensar no que podia fazer em meu negócio para criar uma boa sensação”.
Devine logo percebeu uma tendência entre os clientes LGBTQ, que diz que agora são responsáveis por pelo menos um quarto de seus negócios. Quando compram anéis de noivado, muitos deles querem “o oposto do que um diamante costumava significar”, disse, e, assim, eles “procuram o defeito”. Como resultado, dizem Devine e outros especialistas, pedras outrora negligenciadas, como os diamantes “salt and pepper”, bem como outras variedades não tradicionais, ganharam demanda.
Casais de celebridades gays e suas alianças
“A época em que queríamos nos parecer com todo mundo ficou para trás”, disse Kristen Palladino, que, com sua mulher, Maria Palladino, dirige a Equally Wed, uma revista digital cujo foco são os casamentos LGBTQ. “A tendência entre os casais que destacamos na Equally Wed é usar joias que são especiais para eles”.
Indo além dos casamentos tradicionais
Quando Tim Bell, gerente de recursos humanos da Prudential Financial, e Joshua Farrar, associado sênior de operações de clientes na Daybreak Health, ficaram noivos, em março, Bell, 30, propôs usar um anel barato, sabendo que Farrar, 29, queria escolher um anel de noivado adequado por conta própria.
O anel que Farrar procurava não era convencional. Como homem gay, “tenho desafiado aquilo que se esperava de mim durante toda minha vida”, ele disse, acrescentando que “o símbolo de amor que está na minha mão esquerda precisa ser um reflexo disso”. Outro requisito era que o anel tivesse uma pedra.
Farrar, que mora com Bell em Nova York, disse que “um diamante normal de noivado, uma pedra cristalina”, não o interessava. Em vez disso, o que o atraiu foram diamantes “cognac”, cuja gama de tons inclui o dourado, marrom e âmbar, e que Farrar disse que “atingiam a qualidade masculina e feminina” que ele buscava em uma pedra central.
Quando Farrar visitou algumas joalherias no bairro de comércio de diamantes de Nova York, os joalheiros questionaram as preferências dele quanto a diamantes “cognac”, dizendo que sua cor saturada os torna inferiores em termos de clareza, um marcador tradicional da qualidade de um diamante. “Não é isso que você quer”, Farrar disse ter ouvido dos joalheiros. “Sim, é isso que eu quero”, ele respondeu.
Farrar decidiu estender sua busca à Automic Gold, uma marca de joias em Nova York cuja existência ele descobriu no Instagram. Trocando e-mails com a designer da linha, AL Sandimirova, conhecida por criar joias inclusivas, Farrar expôs sua visão quanto ao seu anel de noivado.
Sandimirova apresentou a Farrar uma seleção de diamantes “cognac”, e também um diamante “salt and pepper”. Farrar disse que essa última pedra “falou ao seu coração”, e por isso ele escolheu um diamante “salt and pepper” para sua aliança.
Um diamante “salt and pepper” também foi a pedra escolhida por Roxy Valle, 31, que se apresenta como drag king e trabalha em produção de televisão, ao criar um anel de noivado para Taylor Orci, 39, roteirista de televisão e editora de roteiros. O casal, que vive em Los Angeles, se casou em julho.
Valle, que é transgênero e não binária, mencionou o fato de que a pedra escapava das convenções como um dos motivos pelos quais escolheu usá-la no anel criado para Orci, que também é não binária. Valle também gostou do brilho mais sutil do diamante “salt and pepper”, comparado a uma pedra normal.
“Há um reflexo de granito, brilhante mas também robusto e áspero”, disse Valle, que pagou US$ 2.250 (mais de R$ 12 mil) pelo anel, comprado na Kris Averi, uma joalheria de Nova York.
Haley Biemiller, uma das fundadoras da linha de joalheria Venvs, especializada em pedras “atípicas”, como os diamantes “salt and pepper”, disse que outro estilo apreciado pelos clientes queer era a moissanita. Cultivada em laboratórios, a moissanita é mais parecida com um diamante transparente, e é quase tão durável, explicou Biemiller, mas “brilha um pouco mais, como um arco-íris”. Uma moissanita de meio quilate é vendida por cerca de US$ 400 (R$ 2.100) na Venvs, enquanto uma pedra de 2,25 quilates chega aos US$ 1.500 (R$ 8.100), de acordo com Sam Indelicato, o outro fundador da linha.
Biemiller e Indelicato criaram a Venvs em Rochester, Nova York, em 2020, depois da experiência que Biemiller viveu ao comprar um anel de noivado para sua parceira, do mesmo sexo. Na joalheria que ela visitou, Biemiller disse que se sentiu negligenciada pela equipe de vendas, alguns de cujos integrantes fizeram questão de atender primeiro um homem, que entrou na loja depois dela. “Eles presumem que uma mulher seja apenas uma vitrine”, disse Biemiller. “Portanto, não lhe dão atenção alguma”.
Escolhas neutras em termos de gênero
Embora os diamantes “salt and pepper” e a moissanita tenham se tornado populares, joalheiros como Kris Harvey (Kris Averi), dizem que a maioria de seus clientes LGBTQ que procuram anéis de noivado com pedras preferem variedades que não se relacionam a diamantes e nem são parecidas com eles.
Esses clientes tendem a escolher safiras —e muitas vezes safiras Montana.
Embora essa gema seja conhecida por sua cor azul, a cor das safiras Montana pode ser amarela, rosa, cinza ou azul-esverdeada. Como as safiras tradicionais, a variedade Montana pode ser bicolor, o que significa que uma pedra individual tem duas tonalidades, e algumas podem mudar de cor a depender da luz, disse Emily Chelsea, que é designer de joias em Filadélfia.
“As safiras Montana que costumo mostrar usualmente têm três cores”, disse Chelsea, acrescentando que os anéis de safira Montana de sua linha têm preço inicial de US$ 1.500 (R$ 8.100) e podem chegar aos US$ 8.500 (R$ 45,9 mil).
Os clientes LGBTQ atendem por 65% das vendas de Chelsea e em geral não se interessam por seguir tradições heteronormativas. “Não é algo que vejamos muito”, disse Chelsea. “O que sempre dizemos às pessoas é que façam o que quiserem”.
Embora sua aparência seja diferente dos diamantes, as safiras são quase tão duráveis. O mesmo não se pode dizer da opala, uma pedra vibrante, porém mais macia, que vários joalheiros dizem ter se tornado outra alternativa aos diamantes. “As pessoas queer realmente gostam de todas as pedras únicas, brilhantes e coloridas”, disse Sandimirova, da Automic Gold, onde opalas etíopes de um quilate custam cerca de US$ 180 (R$ 970) e as opalas australianas de um quilate, cuja qualidade é maior, custam US$ 750 (R$ 4.000).
Como as opalas são cerca de duas vezes mais macias que os diamantes, elas são mais suscetíveis à quebra e podem começar a se deteriorar dentro de dois anos, disse Sandimirova. Por essas razões, Devine, designer da Lolide, não faz anéis com opalas, e Biemiller exorta os clientes a considerarem algo mais resistente.
A ágata “moss”, um pouco mais dura que a opala, também passou por uma alta de demanda. A pedra pode ser transparente ou ter um tom branco-leitoso quase translúcido, e apresenta inclusões de verde que lhe dão uma aparência musgosa. Allison Ullmer disse que ela é uma escolha popular entre os clientes LGBTQ da Ringed, sua empresa em Portland, Oregon, que conduz oficinas para casais que desejam fazer seus próprios anéis de noivado.
Os anéis de ágata da Ringed têm peso de 2,5 a 3,5 quilates e estão à venda por entre US$ 250 e US$ 400 (R$ 1.300 e R$ 2.100). Como a pedra também pode começar a se deteriorar em poucos anos, Ullmer exige que os clientes que queiram adquiri-la comprem duas versões de seus anéis (uma para reserva).
Ullmer, que disse que os clientes LGBTQ representavam quase 40% de seus compradores, atribuiu os atrativos da ágata “moss” ao fato de a pedra ser menos vistosa e mais “neutra em termos de gênero” do que outras usadas em anéis de noivado.
Ela acrescentou que quando um cliente procurou a Ringed para pedir joias neutras em termos de gênero, a primeira coisa que ela fez foi pedir que o cliente definisse o termo. “Não quero ter de supor como o cliente define isso”, disse Ullmer.
Harvey disse que definir joias neutras em termos de gênero pode ser difícil até mesmo para alguns de seus clientes que as solicitam. É por isso que escolher um anel de noivado, acrescentou ela, é “honrar sua identidade, desde sua apresentação até seus pronomes”, não importa a pedra, o corte ou o metal.
Na joalheria de Emily Chelsea em Filadélfia e no site de sua marca, “não definimos nenhum de nossos anéis como anéis de noivado ou alianças de casamento ou alianças para homens ou mulheres”, disse a joalheira. Em lugar disso, a empresa usa o termo “alianças largas”, “alianças finas”; e “alianças com pedra central”, o que traz à mente a linguagem mais inclusiva que alguns casais estão usando para definir a si mesmos e suas uniões. Como disse Chelsea, “qualquer pessoa pode usar qualquer anel”.
*Abigail Covington para The NewYork Times. Tradução de Paulo Migliacci (Folha de São Paulo)