Joalheria dirigida por Maurício Okubo, que reproduz ícones da biodiversidade brasileira nas coleções, adotou ‘blockchain’ para certificar origem sustentável de matérias-primas e promover conexão com emergências ambientais

Por Shagaly Ferreira*
Na visão do executivo Maurício Okubo, uma joia pode promover uma reconexão entre o homem e a natureza, ao mesmo tempo em que chama atenção para as emergências ambientais brasileiras. Por isso, nos últimos anos, o gestor tem dedicado parte do portfólio da joalheria que gerencia, a Julio Okubo (nome do avô de Maurício), aos temas que envolvem o meio ambiente, desde a estética até as questões de preservação.
Coleções com nomes que remetem ao tema, como “Refloreste-se”, “Voz dos Oceanos” e “Força da Natureza”, já buscam comunicar o propósito desde o primeiro contato. O objetivo é reforçar uma ideia de integração a um mesmo ecossistema, onde cada um tem sua contribuição para que o meio ambiente seja saudável.
“Parte dos grandes desafios que estamos vivendo é por conta da ilusão de que somos uma coisa e a natureza é outra. Quando perdemos esse pertencimento, às vezes, nos desconectamos da preservação, da sustentabilidade, da regeneração e da economia circular”, diz Okubo. “Quando trazemos essa conexão enquanto empresa, entendemos que o nosso papel é (perceber) como é que participamos desse ecossistema de uma maneira coerente, consistente, com visão de longo prazo.”
As peças mais recentes, além de retratarem ícones da biodiversidade brasileira em seus formatos, são vendidas com registro blockchain. A tecnologia usa uma cadeia de blocos digitais para registrar dados criptografados, permitindo, nesse caso, que o cliente rastreie dados de origem sustentável das matérias-primas de cada joia. Segundo o executivo, até 2030, o sistema deve ser utilizado para todas as peças vendidas.
“Já há joalherias (no Brasil) que trabalham com algum controle de origem, mas a transparência do processo completo para o cliente é a primeira vez”, diz. “Gradualmente vamos incluir esse processo nas demais matérias-primas que fazem parte da joalheria.”
Abaixo os principais trechos da entrevista:
Como é o processo de decidir para onde olhar na transformação de ícones da biodiversidade brasileira em joia?
Há uma série de lugares que nos inspiram. Mas temos muito esse olhar de longo prazo, de entender quais são as inspirações que fazem muito sentido dentro da nossa história e do nosso negócio. A natureza nos ensina o tempo todo. Quando falamos de biomimética (ciência que estuda estratégias de criatividade da natureza e as aplica para solucionar questões do homem), por exemplo, estamos falando muito dessa inspiração do design na natureza. Nela não tem nada que é feito por acaso. Tudo é feito com uma extrema inteligência ao longo de milhões de anos. Então, quando falamos de inspirações, na grande maioria do tempo, a nossa maior inspiração é a natureza, porque, para mim, ela carrega esse lugar da perfeição absoluta. Não tem absolutamente nada fora de lugar, e tudo que a gente traz para o design humano, em algum momento, já foi inventado pela natureza antes, sejam as curvas, sejam as proporções. Podemos olhar para o fundo do mar, podemos olhar para dentro das florestas, podemos olhar de uma maneira mais próxima ou mais distante a folha de uma árvore. Mas, em linhas gerais, a nossa maior inspiração está sempre conectada à natureza.
E como se a natureza facilitasse o trabalho, então?
O ser humano está no planeta há 300 mil anos e a natureza existe aqui há 4,5 bilhões de anos. Então, nós somos uma pequena fração de tudo que já existiu nesse planeta. Quando olhamos esse aprendizado ao longo do tempo, seguramente a natureza tem muita coisa para nos ensinar. Nesse olhar para a natureza, sempre temos que estar com esse cuidado, porque às vezes os maiores aprendizados estão nos menores detalhes.
O quanto a cadeia do mercado de joias está imersa nos temas de sustentabilidade hoje?
Há um avanço, mas entendo que ainda tem muitas coisas para ser feito enquanto setor, para que se possa fazer o impacto em grande escala.
E no caso da Julio Okubo?
Temos um controle de origem, há muito tempo, do que compramos e trazemos para nossa cadeia de suprimentos. Por trabalhar com pérolas (a família Okubo é conhecida por pioneirismo com venda de pérolas no Brasil, há 100 anos), trazemos o cuidado com a origem delas desde sempre. Obviamente, como em todos os outros setores, há formas mais conscientes e sustentáveis e menos conscientes e sustentáveis de se trabalhar com isso. Compramos direto das fazendas que têm princípios coerentes com aquilo que acreditamos. Nossa história de cuidado começa daí, mas gradualmente trouxemos isso para todo o restante, pois não faz sentido cuidar somente de uma parte.
Como isso é feito?
Trouxemos para o Brasil um case de rastreabilidade da cadeia do ouro, de ponta a ponta, com registro via blockchain. Já há joalherias que trabalham com algum controle de origem, mas a transparência do processo completo para o cliente é a primeira vez. Nós também não compramos ouro que venha do bioma amazônico, fazemos essa rastreabilidade, e gradualmente vamos incluir esse processo nas demais matérias-primas que fazem parte da joalheria. Temos uma agenda até 2030 para a rastreabilidade da joia completa. Nas duas últimas coleções, as joias já são recebidas pelo cliente com um número de rastreabilidade e um QRCode que vai se ligar na plataforma de blockhain. Aí podem ser vistas todas as informações, como quantas gramas de ouro e comprovação de onde ele vem.
O sr. trouxe anteriormente um ponto sobre essa soberania da natureza frente ao ser humano, mas ao mesmo tempo estamos vendo hoje emergências climáticas e ambientais vindas do prejuízo do humano ao ambiente natural. De que maneira uma joia consegue chamar a atenção para essas emergências?
(Costumamos) olhar muito o ser humano e a natureza como se fossem coisas separadas, mas, no final do dia, somos uma coisa só. E o grande desafio ou parte dos grandes desafios que estamos vivendo é por conta da ilusão de que somos uma coisa e a natureza é outra. Quando perdemos esse pertencimento, às vezes, nos desconectamos da preservação, da sustentabilidade, da regeneração e da economia circular. Se todos nós fazemos parte de um mesmo sistema, cada um tem a sua contribuição para que aquele sistema continue sendo saudável. Quando trazemos essa conexão enquanto empresa, entendemos que o nosso papel é (perceber) como é que participamos desse ecossistema de uma maneira coerente, consistente, com visão de longo prazo. Quando olhamos para esse lugar, só tem uma maneira de atuar dentro desse ecossistema, que é de um lugar extremamente sustentável. Qualquer coisa que você faça e que seja destrutiva é incoerente com essa construção de um ecossistema saudável de longo prazo.
*Shagaly Ferreira para Estadão